Antes da resenha do livro A noite da caça, de Cláudia Mattos, faz-se necessário um inquérito policial sobre o mesmo. Por que a ex-delegada Luiza é bonita, olhos azuis, pernas longas, sensual, rica e inteligente? Por que uma mulher bonita, olhos azuis, pernas longas, sensual rica e inteligente vai perder seu tempo sendo uma delegada? Por quê, depois do fracasso como delegada, a rica, bonita e inteligente Luiza (ops, esqueci das pernas longas e dos olhos azuis) troca o Rio por São Paulo para trabalhar numa obscura empresa de segurança? Por que esta empresa vai se envolver numa investigação de extorsão feita por uma empresa que tem sede justamente no andar superior do prédio em que se localiza? Por que a jornalista metida na história é justamente a mesma que participou do caso no Rio de Janeiro que afundou a carreira de Luiza?
Há muito mais perguntas neste inquérito, mas todas terão a mesma resposta. O festival de inverossimilhanças, incoerências e coincidências de A noite da caça acontece porque o livro é um festival de clichês. Ao tentar produzir um romance policial, Cláudia Mattos cometeu um crime literário de 252 páginas cujo melhor destino é o lixo reciclável.
Nada no romance tem sustentação, a começar pela trama fraquíssima. A empresa de extorsão faz head hunting de fachada, cobrando adiantado 10% do primeiro salário dos profissionais que recolocaria no mercado, mas o emprego intermediado não existe. Um desses profissionais enganados, o gerente de marketing Marcelo, não se conforma com o golpe e, armado, invade a sede da empresa, onde faz reféns duas mulheres.
Não há como engolir este ponto de partida para o livro, que no final informa que a empresa fez mais de cinco mil vítimas. Profissionais recolocados por empresas de head hunting não são ingênuos. Dificilmente cairiam neste tipo de estelionato. Por mais que isso acontecesse, seria impossível uma empresa dar mais de cinco mil golpes sem ser desmascarada antes da décima tentativa.
A atitude extrema de Marcelo também não se justifica. Ele está há pouco tempo desempregado, perdeu apenas R$ 1,5 mil na extorsão e não tem histórico criminal. Aliás, nem pistola tinha. A grande coincidência é que se hospedou na casa do cunhado e, acreditem, este era colecionador de armas.
Mas o pior do livro é mesmo a entrada de Luiza em cena. O festival de clichês tem como objetivo mostrar o trabalho da ex-delegada como negociadora para a libertação das reféns. O festival é completo. Não faltam o chefe que não acredita nas técnicas propostas pela negociadora, o policial que atrapalha e quase põe tudo a perder, o policial amigo da ex-delegada que confia em seu desempenho e, claro, a jornalista intrometida.
O policial amigo poderia ser qualquer policial. Mas a autora não resistiu à tentação de fazer Luiza encontrar, “por acaso”, um ex-companheiro de trabalho do Rio de Janeiro no aeroporto em São Paulo.
A jornalista também poderia ser qualquer jornalista, mas Cláudia Mattos prefere colocar em cena a repórter que participou de um caso de serial killer no Rio de Janeiro, aquele que determinou o fracasso da carreira da rica, bonita, sensual e de pernas longas delegada Luiza.
Aliás, até mesmo nas questões em que deveria dominar melhor, já que é jornalista, Cláudia Mattos se perde. As participações da imprensa nos dois casos, do serial killer e da head hunting, são exageradas. As duas pautas não teriam a dimensão que a autora defende para uma revista de circulação nacional. Não é factível também que a revista de São Paulo tivesse dado uma matéria de capa sobre a delegada do Rio de Janeiro. E chega até a ser engraçado que a autora escreva no livro que o caso do seqüestro na empresa de recursos humanos possa render uma matéria de prêmio Esso? Prêmio Esso? Essa coisa ainda existe?
Todas estas falhas poderiam ser superadas se o livro tivesse a emoção e o suspense pretendidos na negociação de libertação das reféns, mas isso nunca acontece. O festival de clichês continua e o desfecho do livro não empolga nem comove. Sente-se apenas um grande alívio, o de acabar a leitura de um livro tão sem graça.