Quando morava em Ibitiara, Bahia, Watson da Silva era um piá comunzinho. Tinha uma “qualidade diferente”, vá lá: a cabeleira lisa. É que naquela época, em terra de cabelinho pixaim, quem tinha madeixas lisas estava com, pelo menos, uma cabeça de vantagem. Mas o coitado não tinha muita sorte com as mulheres. Era tímido, na verdade. Namoradinhas, não teve muitas. Não nesse período em que viveu na Bahia e era conhecido como Ticinho. Tudo o que aprendeu foi com as putas do cabaré de Sinfrônia. Exercitou todas as técnicas possíveis com as damas da noite.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, já tinha um pouco mais de tarimba. E foi lá que percebeu que tinha “o” talento. Que era um “domador de mulheres”. Descobriu-se “o rei da cocada preta” nos idos da década de 50. Pelo menos foi o que contou, durante uma noite e mais um trecho da madrugada para um ouvinte qualquer, em um bar qualquer da cidade maravilhosa, muitos anos e muitos dinheiros ganhos depois de sua chegada na então capital nacional.
A ascensão desse cabra da peste na sociedade carioca é a trama do livro O domador de mulheres, de Ildásio Tavares. Nada de muito especial. Nada de muito interessante, também. Carlos Heitor Cony, na orelha do livro, comparou o estilo de Tavares a Guimarães Rosa. Exagero do imortal. Muito exagero.
Na verdade, todo o esquema de “venda” do livro – da orelha ao release de apresentação feito pela editora – aguça a curiosidade do leitor. Mas não é comprovada ao final das 269 páginas, infelizmente. A editora garante ao leitor um passeio pelo Rio de Janeiro dos “ebuliçosos” anos 50, esbanjando sensualidade e conotações políticas. Quando terminei de ler ficaram apenas as perguntas: “Cadê o passeio pelo Rio? Cadê a sensualidade? Cadê os bastidores políticos?” Ah, dos bastidores políticos, há uma coisa, sim, não posso ser injusta: Watson da Silva vai ao Rio de Janeiro com uma carta de recomendação escrita por um deputado da Bahia!
Quanto à sensualidade… Bem, mulheres têm visão diferente sobre sensualidade, eu creio. Para mim, o livro de Tavares não é sensual. Pelo contrário. Parece mais um daqueles livros de Sidney Sheldon ou das coleções com nome de moças – Sabrina, Júlia, Bianca e afins. Mas há quem o considere sensual. Cabe a cada leitor tirar suas próprias conclusões. Há espaço para todas as opiniões nesse mundo, ora essa!
“Galguei seu corpo numa volúpia incontida, rasguei seu corpo no ímpeto de um desejo só e juntos imergimos na grama, na areia, até uma sinfonia de soluços de gozo, uma melodia triunfante e guerreira, afugentando as magras putas do cabaré de Sinfrônia, as vagabundas do Campo da Pólvora, a solidão medonha das punhetas, todas as putas da Bahia antiga, que mesmo no abismo supremo do orgasmo eu vi fugindo espavoridas em frangalhos, pelos céus escancarados das noites em Amaralina enquanto se alçava na praia, num halo de luz, Daniela, a primeira mulher.” (pág. 61)
Mas vamos voltar um pouco à história do livro. Watson encontra um cidadão em um bar e desanda a falar sobre sua vida – da pobreza na Bahia à riqueza no Rio de Janeiro, alcançada por sua fantástica habilidade com as mulheres. (Ele acha, pelo menos, que tem habilidade com elas. Chega a essa conclusão por ter conseguido manter tórridos romances com duas mulheres maravilhosas ao mesmo tempo. Com uma, a mais rica, casou-se – por isso, agora, tem dinheiro de sobra. E a levou ao delírio total. Em alguns trechos do livro até descreve todo seu poder de domador, deixando a moçoila desfalecida depois de uma noitada. Para isso, teria usado técnicas aprendidas com as prostitutas baianas e cariocas. Watson parece um Caetano [se você não assistiu a Mulheres Apaixonadas ainda, dê uma olhadinha no motorista de táxi que faz a alegria da mulherada]. É um cara normalzinho, mas que tem um poder de sedução inexplicável com a mulherada. Pelo menos para mim, que não vejo nada de bacana em homens cafajestões. Certa vez, um leitor enviou uma carta ao Rascunho, indignado por eu ter comparado a história de um personagem à vida real. Disse que eu deveria ser daquelas pessoas que encontrava um ator que fazia um vilão na novela e batia no cidadão no meio da rua. Ora, a literatura – se não for de realismo fantástico ou ficção científica – é uma cópia da vida, não é?)
Esse cidadão pode ser o próprio leitor. Sua identidade nunca é revelada. É alguém que tem paciência suficiente para escutar as peripécias do moço – que morre de vergonha do sotaque abaianado que vai (re)adquirindo conforme vai bebendo um pouco mais de whisky. (Aí há um espaço para um comentário – mais um: em alguns momentos Watson refere-se ao ouvinte na terceira pessoa do singular, em outros, na segunda ou terceira do plural…)
Durante toda a conversa – que dura horas e horas e horas – Watson se perde em lembranças (chama-se até de “aquele garoto”, para diferenciar o pobre baiano do novo-rico baiano-carioca). E em “filosofices”. Sobre o terceiro mundo, a diferença de classes, a importância em ser esperto para subir na vida… Coisas de boteco. Neste caso, pertinentes, apesar de um pouco cansativas.
Não posso dizer que é um grande livro. Mas também seria injustiça considerá-lo ruim. É uma obra simples. Sem muita graça, mas que prende a atenção do leitor, pela divisão de capítulos. E até mesmo para saber que diabos esse homem tem de tão especial para se considerar um domador de mulheres…