Sou repórter, do tipo que sai todo dia para a rua, para fazer um pequeno recorte da realidade, contando com imagens e poucas palavras o que acontece por aí. É comum perguntar ao entrevistado qual é a sua profissão. Quanto aos que têm profissão, tudo normal. Interessante é notar uma certa vergonha quando a resposta é “desempregado”, “aposentado”, ou ainda “do lar”. Parece que todos sentem uma cobrança que não se sabe de onde vem, que é imperativo ter uma profissão para ser um participante ativo na sociedade, como se o trabalho fosse o principal meio de integração social.
Máximo Modesto, que durante anos foi fiscal sanitário, é o personagem principal da história de Dionisio Jacob. O nome revela o que ele pensa sobre si: ser o máximo da modéstia, alguém grande na sua pequena importância. Um pequeno tijolo, que, se retirado da construção, fizesse-a ruir por inteiro. Palavras modestas? Palavras de quem vê no trabalho uma grande construção, de alguém que se agarra no espaço de tempo entre as duas batidas no cartão ponto, fazendo do horário comercial a resposta para uma existência.
Adoniran Barbosa contou um pouco do sofrido trabalho do pobre paulista, que luta pela sobrevivência, que mal tem onde morar, que sente saudades de uma maloca. Do retirante que escutou que o “pogresso vem do trabaio”, do homem que tinha objetos pesados (martelo, cimento, tijolo) como ferramentas para ganhar o pão. O sambista mostrou o homem que mal tinha tempo de pensar sobre o vazio da luta para se manter vivo.
Dionisio Jacob, em A utopia burocrática de Máximo Modesto, mostra um trabalhador com muito tempo para pensar. Recém-empossado no cargo de Gerente de Assuntos Relacionados, passa os dias tentando descobrir qual é a função do seu novo departamento. Buscando respostas, escreve memorandos para o chefe que não conhece e que também jamais responde às suas perguntas.
A resposta que ele procura não é apenas uma questão prática para se adequar às novas funções. É uma resposta existencial. Máximo Modesto espera que a autoridade do chefe diga que ele é importante. Mas o questionamento sempre é preenchido com o silêncio do superior na hierarquia. E o universo forense do qual faz parte funciona mesmo sem a inquieta participação ociosa de Máximo Modesto. Mas o homem da modéstia é esperto. Aproveitando-se da inércia do destinatário dos memorandos, passa a formular algumas perguntas, de maneira que o silêncio sirva como resposta. Apenas um paliativo que logo se esgota.
Samuel Becket escreveu a história de dois mendigos que passam os dias a esperar Godot. O tal nunca vem, mas a paciência dos dois sempre se renova a cada mínimo sinal de esperança. Máximo Modesto, homem amante da leitura de livros comprados em sebos, um dia se cansa da esperar pelo chefe que pode lhe dar as respostas, que pode lhe atestar a importância da sua existência. Cansado de ser rei (a rainha da Inglaterra do funcionalismo, palavras do próprio) de um reino que não fede nem cheira, e pior, não é reconhecido, tenta provocar a queda da estrutura. Perverte a cena de Jesus na cruz perguntando “Pai, por que me abandonas-te?”, descendo do calvário e saindo em direção ao todo-poderoso, cobrando satisfações, tudo feito com memorandos.
A utopia burocrática de Máximo Modesto chama a atenção pela forma da narrativa, toda feita por memorandos. Mesmo nos momentos em que o tom confessional de Máximo Modesto aparece, a linguagem típica destes documentos está presente. Em alguns pontos, a leitura é um pouco penosa, chegando a ser chata e cansativa. Mas será que este cansaço não se explica pelo fato de que a busca de Máximo Modesto é bem-parecida com a do leitor?
Rogério
Seguem abaixo duas sugestões para olho ou gravata. São apenas sugestões, de repente dá para brincar com a diagramação usando estas frases, mas não são fundamentais para o texto.
Pogresso, Pogresso … Eu sempre escuitei falar, que o pogresso vem do trabaio. Então amanhã cedo, nóis vai trabaiar.
Adoniran Barbosa
Livro de Dionisio Jacob mostra as confissões da “Rainha da Inglaterra do funcionalismo”. Difícil de ler, por vezes exaustivo, mas uma grande ponte para a reflexão sobre a função do trabalho.