Quem precisa se salvar se agarra a qualquer sutileza. E o humor pode ser a melhor delas, sobretudo nestes perigosos anos de amor nos tempos do bina e do transtorno obsessivo-compulsivo por checar o recebimento daquele “certo e-mail”, quando o diálogo entre os sexos — que nunca foi lá dos mais acertados — mais parece empresa telefônica em dia de pique. Você pede Nova York e eles lhe dão Nova Iguaçu. Pois foi rindo muito das agruras sentimentais dos outros, inventando gírias e subvertendo normas de comportamento que os sites 02 Neurônio (www.02neuronio.com.br) e O Carapuceiro (www.ocarapuceiro.com.br) se tornaram referências de consultório sentimental pela internet.
Enquanto o 02 Neurônio fala para a garota urbana, pós-Madonna, que não acredita em príncipe encantado (mas no fundo tem lá suas esperanças), o Carapuceiro desmonta o mito do machão (tomando como referência o do cabra macho nordestino) e escancara os clichês da formação da masculinidade. “Brincar para destruir, creio. Ou, no mínimo, esvaziar pelo folclore, que também é um bom jogo jogado. Seja o machão do Sul, do Nordeste ou do Arizona… é tudo bem risível, né?”, explica o responsável pelo O Carapuceiro, o jornalista Xico Sá, que acaba de reunir alguns dos principais textos do site no livro Modos de macho & modinhas de fêmea.
O título faz referência a Modos de homem & modas de mulher, de Gilberto Freyre, no qual o sociólogo pernambucano explica a formação cultural da sociedade nordestina, sobretudo a partir do século 19. Uma sociedade monossexual, onde só o desejo masculino prevalecia. E tanto poder, tanta onipresença, no final das contas, confundiu mais do que ajudou. “Homem carece é de chifre, pra tomar jeito. Só um bom chifre nos humaniza, nos põe no nosso devido lugar”, aponta Xico.
Para humanizar, Xico não perdoa. Em suas crônicas, ele brinca com o grotesco, traz de volta as velhas histórias de sexo na adolescência com cabras e outros mamíferos assemelhados, exacerba a força da filosofia de mesa de bar, pede desconfiança feminina em relação àquele sensível homem que mora em “predinhos antigos” e lembra como é bom aquela mulher pós-feira, cheirando a manga e tudo o mais. “É tudo paródia e gozação. Se feito de forma séria, seria uma desgraça. Tento brincar de literatura a partir desse universo ridículo. Quando perguntam sobre minha inspiração, digo que Madame Bovary c’est moi mesmo. Entra toda a polifonia dos botecos… como digo na apresentação, é muito latim de puteiro e prosopopéia de boteco, pouca literatura e muita datilografia de bêbado. Por aí. Acho que o que escrevo rende uma ironia decente, inclusive com a própria literatura, que é usada — nos samples que faço de dezenas de autores — como armadilha. Quero falar na verdade de buceta, mas com uma citação erudita como escudo, torno a coisa mais socialmente aceitável. E não deixo de falar de buceta da mesma forma. Isso se justifica porque muitos dos textos foram escritos originalmente para publicações, como a revista dominical da Folha de S. Paulo, que não permitem a escritura da putaria e da fuleiragem propriamente ditas. Aí entra o truque da erudição da buceta. Uma putaria aqui, um Céline ou um Baudelaire acolá… e tudo parece mais nobre!”, explica Xico.
A ironia em relação aos sexos presente no livro, mais para a literária ou não, rendeu lá seus inimigos. Em uma crítica das mais ácidas, publicada na Folha de S. Paulo, a escritora paulista, apresentadora do programa Saia Justa e roteirista de Os Normais, Fernanda Young, dizia-se meio que horrorizada pelo teor das crônicas de Xico. “Ela foi preconceituosa contra os nordestinos, não entendeu o fato da nossa formação rural passar pelo mundo do barranqueamento, por exemplo, como é típico também do Sul do Brasil. Disse que eu poderia botar a perder as novas gerações de machos, como se todo menino da classe média limpinha e publicitária à qual ela pertence começasse a comer cabras e éguas pelas shoppings centers do Rio e SP. Não posso falar mal dos livros dela, simplesmente por falta de coragem de comprá-los e escancará-los. Num país que tem de Ronaldo Bressane a Raimundo Carrero — para listar dois extremos de gerações de prosadores atuais — não há como ler essa dondoquinha tatuada que prega, em camisetas, o seu amor por presentes como diamantes, entre outras preciosidades”, diz Xico.
Com o respeito ou não de Fernanda Young, ninguém oferece lá suas lições de Eros querendo receber aprovação universal em troca — a unanimidade é burra, já dizia o maior consultor sentimental do Brasil, Nelson Rodrigues. O terreno das relações humanas é escorregadio e, experiências somadas à parte, o que prevalece no final das contas é mesmo os achismos — porque no fundo todos nós temos as nossas parcelas de padres, médicos e psicólogos. Por isso, Xico Sá soltou o melhor e o pior conselho sentimental que já recebeu na vida, com o humor de sotaque carregado que faz Modos de macho & modinhas de fêmea ser uma bula para corações solitários das mais divertidas: “O melhor conselho foi de um antigo forró do Trio Nordestino, um grupo que fazia forró de primeira, com groove até mais acentuado que o rei Gonzaga. Dizia uma letra deles: ‘se casamento fosse bom, não precisava testemunhas’. Uma lição! O pior foi de um amigo de Juazeiro, diante de uma nega que eu morria de vontade de foder, embora não soubesse sequer bater punheta direito. Ele disse: ‘vai lá, paga o ingresso dela, sobe com ela na roda gigante, chegar lá no alto, enfia a mão nas coxas dela…’. Deu a maior força. Acreditei. Arrastei a menina meio sem jeito, ela nem queria, mas não deu tempo de dizer um não mais incisivo. Aí quando a cadeira chegou lá no alto, que seria o paraíso, em vez de safadeza, deu merda geral: larguei um jato de vômito nas coxas da menina. A porcaria molhou todo mundo da roda também… Eu tinha acabado de comer uma buchada de bode, iguaria que não combina com roda gigante e muito menos com sexo à queima roupa”.