(19/10/20)
Livros de ficção sobre escritores podem soar enfadonhos para certos leitores. Porque o autor pode passar a impressão de que está mais interessado em seu próprio processo de escrita do que em uma literatura mais abrangente. E o tema certamente é tentador a todo autor.
Afinal, quem conhece mais a rotina da escrita do que um escritor? E o subproduto do trabalho ficcional, a “vida literária”, é também muito atraente, com todos os bons e maus sentimentos que a envolvem. Os livros aqui selecionados ampliam a simples ideia de “escritor escrevendo sobre escritor”, com suas glórias e fracassos. Eles discutem questões importantes que extrapolam a mera descrição do “fazer literário”.
A informação, de Martin Amis
Martin Amis é o mais “plural” dos autores ingleses. Seus projetos literários são sempre bem diferentes entre si, pelo menos no que diz respeito aos temas. Mas nem ele escapou da tentação de escrever sobre o próprio ofício. A informação não tem apenas um escritor entre os protagonistas, mas dois: Richard Tull e Gwyn Barry, que se conhecem desde o tempo da faculdade. O primeiro é autor de uma obra experimental e “difícil”; o segundo, um best-seller conhecido por suas fábulas que encantam milhares de leitores. Tull, erudito que sobrevive fazendo resenhas para uma pequena revista, se vê corroído pela inveja por conta do sucesso do amigo, a quem julga um impostor, dono de uma obra desprezível. O livro encanta pela linguagem e humor corrosivo, que faz dele um dos romances mais inspirados sobre a “inveja literária”.
Meu nome é Lucy Barton, de Elizabeth Strout
Em busca da própria voz literária, a protagonista deste romance vive uma avalanche de sentimentos enquanto se recupera de complicações de uma simples operação para extrair o apêndice. Sofrendo de saudade das filhas e do marido, Lucy Barton recebe a visita inesperada da mãe, com quem não falava havia anos. Estimulada pelo exercício da memória, a narradora convalescente lança um olhar aguçado e humano, sem sentimentalismos, para os acontecimentos centrais de sua vida: o isolamento e a pobreza dos anos da infância, o distanciamento de um núcleo afetivo desestruturado, a luta para se tornar escritora, o casamento e a maternidade. Vencedora do prêmio Pulitzer, Elizabeth Strout amarra com precisão os acontecimentos e dá à sua protagonista algo que ela busca incessantemente: uma voz autoral.
Pergunte ao pó, de John Fante
Principal romance do americano John Fante, Pergunte ao pó põe em cena um dos escritores-personagens mais carismáticos da história da literatura: Arturo Bandini. Espécie de alter ego de Fante, ele é o protótipo do escritor “ferrado”, que tenta viver de sua arte, mas ainda não foi “descoberto” pelo mundo e pelos leitores. Fante transforma a ruína e o fracasso de Bandini no grande trunfo de seu livro. Aliado a essa malfadada trajetória, muitas vezes cômica, o escritor acrescenta sua habilidade narrativa, apresentando ao leitor uma escrita primorosa, pautada pela economia de adjetivos e um poder de síntese que influenciou a prosa de diversos autores — dos beats a Charles Bukowski. Bandini povoaria toda a obra de Fante, aparecendo nas mais diversas situações, mas é em Pergunte ao pó que ele se mostra “por inteiro”.
Leviatã, de Paul Auster
Rivalidade também é um sentimento presente neste romance magistral de Paul Auster. Os protagonistas são dois amigos escritores: Peter Aaron e Benjamin Sachs. Ainda que o enredo discuta diversas questões, como política e terrorismo, e não se atenha tanto a questões do fazer literário, cada um dos escritores-personagens se empenha em fazer que o mundo os ouça. Enquanto um deles insiste na literatura, o outro opta pela ação direta e assim se condena a um fim violento. Os dois escritores vivem uma rivalidade aparentemente em dois planos: o narrador cobiça a mulher de seu amigo, Sachs; Sachs inveja a obra do narrador. Fatos históricos como o terremoto de Los Angeles e a era Ronald Reagan alicerçam o turbilhão de acasos em que todos são arrastados.
Os desencantados, de Budd Schulberg
Budd Schulberg parte de um “molde” real para compor o personagem central de Os desencantados: Manley Halliday é a persona ficcional de ninguém menos que Franz Scott Fitzgerald, um dos maiores autores americanos de todos os tempos. O livro é um dos relatos ficcionais mais inspirados a respeito da ascensão e queda de um escritor em Hollywood. Daí Fitzgerald estar no centro do romance, ainda que camuflado. O norte-americano Budd Schulberg, famoso pelo roteiro do filme Sindicato de ladrões, trabalhou nos anos 1930 como aprendiz de roteirista de David O. Selznick, até que começou a colaborar, em 1939, com Fitzgerald, um de seus ídolos literários. O autor de O grande Gatsby foi do céu ao inferno em Hollywood e isso foi recriado de forma brilhante por Schulberg em seu melhor livro.