Para ler Fábulas da febre, do paraibano Carlos Tavares de Melo, é preciso estar de bem com a vida. E é imprescindível ser forte o bastante para não sucumbir à angustiante e cinzenta melancolia. Ou à tristeza e ao cansaço. É preciso gostar de poesia e de vê-la transformada em prosa. E, acima de tudo, é necessário dispor-se a acompanhar pensamentos delirantes e circulares sem perder o fôlego e o rumo.
A leitura dos 17 contos da obra que marca a entrada de Melo nos “registros editoriais de ressonância nacional”, como aponta biografia do escritor na orelha do livro, é lenta, difícil e cansativa. Não é fácil conseguir uma fluidez acompanhando contos que trazem em si o peso escuro da rotina, do tédio, da morte. “No centro de uma sala de paredes lisas de cor cinza, sem quadros, sem retratos, sem calendários, estampas de qualquer espécie, iluminada por uma luz quase mortiça, de tonalidade azul-clara, um homem caminha em círculos” (p. 11). E essa é só a primeira frase, do primeiro conto. Tudo bem… Pode ser impressão. Vamos ao segundo conto, primeira frase: “Sou filha da ilusão, minha matéria; a imaginação, meu cutelo de plumas cortantes ao vento; minhas mãos, moinhos de criar e padecer; meu corpo não existe — instrumento de cores, massa de formas do prisma etéreo e vago da natureza […]” (p. 91).
Alguns recursos usados pelo paraibano também não funcionam bem. As referências mitológicas, por exemplo, tomam conta de muitos textos. E testam a paciência do leitor. “Lá em baixo, o pântano da Fênix redescoberta é agora o lago onde a fera flava sem plumagens que eu domava não rasga mais os véus diáfanos da bela calandra […]” (p. 180, em Ária nas cordas do sol). “A cama cheira a flor-da-noite. Antero observa o vôo do pombo e pensa em Dédalo, Adélia, Ícaro […]” (p. 222, em O rapto dos sentidos).
Cansa também a quantidade de aliterações, que funcionam bem em doses homeopáticas ou em poemas avulsos, mas que extenuam tanto quando usados em demasia, como nesses trechos de dois parágrafos do conto Ponto de fuga: “[…] Perspectivas oblíquas pressupõem pousos de serenos cisnes em folhas de nenúfares trêmulos. […] Retilíneas, bissetrizes rasgam o vértice do vazio […] Como espelhar o espanto das madrugadas antigas em a exata excitação que o cristalino capta […]” (p. 205 e 206).
Como quando temos febre, os contos apontam que algo não vai bem. Na vida, no trabalho, no amor. E é por isso que cansam tanto. Mas isso não quer dizer que os escritos de Melo sejam ruins. Longe disso. Há, sim, beleza e qualidade nos textos. Há boas histórias — como a do último conto, Cavalo marinho. Mas — nunca é demais avisar — a leitura é difícil. É tensa e carregada de informações que rondam todos os contos, confundem e se dissipam.
Por isso, para ler a estréia do jornalista Carlos Tavares na literatura é bom estar prevenido. Não custa nada tentar achar um lugar silencioso, que não permita distrações, e beber muita água nos intervalos de um conto e outro. A febre pode baixar um pouco.