Cansativa obsessão

As peripécias sexuais em “O que contei a Zveiter sobre sexo” não têm consistência nem para empolgar um leitor de revista masculina
Flávio Braga: total banalização da fantasia sexual.
01/05/2007

Nos anos 80, uma revista masculina brasileira fazia muito sucesso com o espaço chamado fórum, em que leitores relatavam suas aventuras sexuais. O fórum era tão bisbilhotado quanto os ensaios de nus femininos da revista. O sucesso da seção não se dava pela qualidade dos textos, mas pela verossimilhança dos relatos. Acreditava-se nas histórias. Uma das razões para isso era, talvez, o fato de terem sido escritos por pessoas comuns, como os leitores, e não por profissionais. Claro que havia a possibilidade de que os relatos fossem de redatores e assinados por leitores fictícios. Mas o que interessa é que os textos eram críveis, e isso é fundamental neste tipo de literatura.

É a verossimilhança do fórum e de outros relatos da literatura cujo o erotismo é tema que fazem falta a O que contei a Zveiter sobre sexo, de Flávio Braga. O romance (?) trata, do começo ao fim, da obsessão de seu protagonista, João, um aventureiro do sexo. O problema é que as peripécias sexuais de João não têm consistência para empolgar nem um leitor de revista masculina.

Antes de falar do livro em si, é preciso explicar o tal do Zveiter que figura no título. Ele é um psicanalista procurado por João para tratar de sua obsessão pelo sexo. Sua participação na história é totalmente irrelevante, a não ser por ter aconselhado João a escrever um livro sobre a obsessão. É um personagem secundário e, na verdade, completamente desnecessário na trama. Conseqüentemente, a inclusão de Zveiter no título é descabida, uma pueril tentativa de fazer graça.

João não é ninguém. É um desempregado, formado em letras, que vive em função do prazer sexual. O mais incrível é que ele consegue este prazer em todas as suas investidas. Todas as mulheres do mundo, feias ou bonitas, gordas ou magras, pobres ou ricas, sucumbem ao charme que João, absolutamente, não tem.

Mas não era exatamente esse o atrativo dos relatos do fórum da revista masculina? Pessoas comuns realizando fantasias sexuais? Não. No fórum, ficava claro que o autor do texto estava realizando uma fantasia, que era apresentada como a maior de sua vida. Na construção do personagem João, o autor peca pelo exagero, há uma total banalização da fantasia sexual. Sexo para João é simples como comprar o jornal na banca, pois nenhuma mulher resiste a ele. Vani, Débora, Ivana, Djanine, Elza, Tânia, Nara, Virgínia, Vânia, Renata, Jaqueline, Paloma, Amora, Angélica e várias outras, um alfabeto completo de mulheres dispostas a transar com um homem insosso.

Sem charme, dinheiro ou poder, como João consegue essa mulherada toda? Não é em O que contei a Zveiter… que se encontra esta resposta, pois o livro não consegue fazer dele o “anti-herói” do qual o autor fala no posfácio, muito menos o “herói” como João é apresentado na orelha do pretenso romance. Aliás, esta história de herói e anti-herói também já cansou. Até parece o Pedro Bial anunciando “vamos falar com nossos heróis na casa”. Precisamos, no mundo e na literatura, de menos heróis e anti-heróis e de mais personagens com estofo e coerência.

João se confessa um fracassado desde o início do livro. Sem emprego e sem dinheiro para pagar o aluguel, sua vida muda a cada instante porque o autor assim o quer. Ele sai de casa com R$ 10 na carteira, mas conhece uma ex-atriz gostosa que lhe abre as pernas no mesmo dia, cujo ex-marido lhe oferece um emprego no qual em poucos dias João ganha R$ 50 mil de comissão por vender um iate. Ah, a ex-atriz tem uma filha de 15 anos que é mais gostosa que a mãe e também abre as pernas para o quarentão João. Mais que isso, ela entrega a virgindade a João.

Clichês em excesso
Basicamente, O que contei a Zveiter… é montado em cima de uma sucessão de clichês como o do parágrafo anterior. Mudam as mulheres, que são casadas, solteiras, libertinas, carolas, prostitutas, mendigas, jovens, anciãs, mas não muda a sorte de João. Ele ganha sempre, atuando como garoto de programa, cafetão, gigolô, guru sádico de um grupo de masoquistas sexuais que lhe paga para fazê-los sofrer.

Quanto às aberrações sexuais de João, e só acompanhar um jornal popular por alguns dias para se perceber que elas não são criativas nem chocantes. O fato de João transar com sua mãe num dia, com a filha adolescente de sua amante no outro, ou participar de uma orgia de soropositivos de HIV, não é muito diferente das manchetes populares.

Nem mesmo quando tenta levar uma vida normal, ganhando R$ 800 por mês numa editora, João escapa de seu demônio da guarda. A mulher do chefe é uma gostosa que quer dar para ele e, claro, o mesmo acontece com a filha do patrão. Por mais que João tente evitá-las, elas não resistem ao garanhão e acabam em suas mãos.

A questão principal sobre O que contei a Zveiter sobre sexo é que, mesmo que fosse mais bem escrito, que tivesse um protagonista construído com mais consistência, que o exagero das aventuras fosse arrefecido, o romance careceria de uma qualidade fundamental — a originalidade.

Tudo que Braga colocou em O que contei a Zveiter… já foi amplamente apresentado na literatura contemporânea, em particular na obra do cubano Pedro Juan Gutiérrez. Nos próprios livros de Gutiérrez o tema já mostrou desgaste. O cubano consegue um resultado excitante em Trilogia suja de Havana e em O rei de Havana, mas se revela repetitivo em Animal tropical e, pior ainda, cansativo em O insaciável homem-aranha e em O ninho da serpente. Mas qualquer um dos livros de Gutiérrez é mais verossímil e com melhor fluência que O que contei a Zveiter…

Para quem já leu Gutiérrez, esqueça Zveiter, pois o livro nada acrescenta ao tema e ao estilo. Mas quem se impressionou com a palavra sexo e com o desenho sensual na capa de O que contei a Zveiter…, fica um alerta de seu protagonista João:

O trabalho na editora era intelectual. Orelhas de livros, criação de títulos de coleções, releases para jornais, e o pior: leitura de originais de novos autores. Era de doer. Ególatras sem talento arrastam longas narrativas recheadas de lugares-comuns mal arranjados. Isso deve lhes parecer grandes obras que os estúpidos editores ignoram.

O que contei a Zveiter sobre sexo
Flávio Braga
Record
332 págs.
Flávio Braga
Paulistano e foi criado em Porto Alegre. Vive no Rio de Janeiro. É romancista, dramaturgo e foi diretor do jornal O Pasquim no Rio Grande do Sul. É co-autor de Separação; O livro de ouro do sexo; O sexo no casamento; e Fidelidade obrigatória e outras deslealdades.
Paulo Krauss

É jornalista.

Rascunho