A Companhia das Letras lançou O caderno vermelho, um Paul Auster de bolso, 12 por 18 cm, 85 páginas, 16 reais. Tamanho, preço e número de páginas não desmerecem o autor, pelo contrário, o trazem muito mais próximo do leitor comum.
Paul Auster é daquele escritor que se gosta ou se odeia. Sua escrita labiríntica, excêntrica, exige disposição. O caderno vermelho é de leitura fácil, pequenas histórias que nem podem ser chamadas de contos. São mais um caderno de anotações de Auster, em que ele relata rapidamente episódios de sua vida ou breves histórias esquisitas que teve conhecimento.
São histórias com leveza, muitas delas calcadas na coincidência ou na estranheza, mas todas com fatos que os leitores terão identificação imediata com suas próprias vidas. São histórias do tipo que todo mundo tem uma para contar. Eu, por exemplo, contaria que uma vez estava sonhando com a passagem do carro de bombeiros em frente à casa onde participava de uma festa, quando todo mundo foi para a sacada ao ouvir a sirene. Acordei com a sirene dos bombeiros passando perto de minha própria casa.
É esse o tipo de história que Auster nos traz em O caderno vermelho, a diferença é que eu só tenho uma para contar, ele tem inúmeras, e garante que é tudo verdade. Se for, ele tem um carma para a coisa.
Auster conta que o pneu do carro furou quatro vezes em sua vida. Nas quatro, estava com um amigo de faculdade que ele nem tinha muito contato. Encontravam-se com pouca freqüência, mas o pneu sempre falhava. Na primeira ocasião, o pneu furou duas vezes na mesma viagem, no Canadá. Depois, furou mais duas vezes em dois outros encontros, na França e nos Estados Unidos. Paul Auster viu nisso mais que azar ou coincidência. Concluiu que a amizade era furada, pois os amigos acabaram se distanciando até perder o contato.
Em outra história, Auster conta que uma ligação por engano o inspirou na escrita de Cidade de vidro, seu primeiro romance. Dois dias seguidos, ligaram para sua casa perguntando se era da Agência Pinkerton. “O que teria acontecido se eu fingisse ser um detetive da Pinkerton? E se eu tivesse aceitado o caso?”, escreve Auster.
Quando começou a escrever Cidade de vidro, um engano telefônico foi o ponto de partida para o autor: um homem chamado Quinn recebe um telefonema de alguém que quer falar com o detetive Paul Auster.
Dez anos depois de Cidade de vidro, relata agora Auster em O caderno vermelho, ele estava em casa e recebeu um telefonema de um homem querendo falar com um senhor Quinn. “Seu sotaque era carregado e eu tinha esperanças de que ele quisesse falar com algum senhor Queen. Mas não tive essa sorte. Q-U-I-N-N, respondeu o homem. Era engano, mas isso realmente aconteceu. Como tudo o mais que escrevi neste caderno vermelho, é uma histórica verídica.”
Paul Auster conduz este pequeno livro com graça e habilidade, revelando a natureza imprevisível em histórias independentes, como uma torta de cebola que se queima e era a única comida disponível; um menino atingido por um raio; um homem que caiu de um telhado e morreu, enquanto o pai de Paul Auster caiu e não se feriu; um pedaço de papel encontrado num quarto de hotel em Paris, endereçado a um amigo de Paul Auster que deixara o mesmo quarto uma hora antes, mas os dois não sabiam que iriam para aquela cidade e para o mesmo hotel.
Pode ser verdade, mas parece ficção. De qualquer forma, se uma pessoa tem em sua vida comum todos estes fatos bizarros e intricados, nada mais natural que o caderno de anotações de Paul Auster inspire os romances labirínticos que ele costuma produzir.