Cabelos desarrumados

Carolina Prado tem os cabelos cuidadosamente desarrumados, um piercing na sobrancelha e anda com um livro qualquer de um escritor famoso qualquer
01/01/2001

Carolina Prado tem os cabelos cuidadosamente desarrumados, um piercing na sobrancelha e anda com um livro qualquer de um escritor famoso qualquer, assim, meio sem querer, saindo do bolso da jaqueta com aparência velha. Vai sempre até a Praça Osório comprar mel. E cigarro avulso, porque os pais não gostam que ela fume, a pobre, e ela não mantém nenhuma carteira de cigarro no apartamento. Mora sozinha em um edifício no centro da cidade. Os pais moram no andar de cima. E pagam o aluguel. E a empregada.

Descobriu Machado de Assis agora, aos 18 anos, nas aulas do cursinho. Dom Casmurro. Diz que adorou, mas leu mesmo foi o resumo preparado pelo professor em uma daquelas apostilas imensas do curso pré-vestibular que é obrigada a carregar. E ainda pediu para a mãe explicar a história de Bentinho, Capitu e Escobar.

Tem um namoradinho, mas vive sonhando com o belo-mais-velho-e-politizado professor que, infelizmente, namora uma de suas amigas. Justo aquela bacana que é afiliada ao PT. Fica deprimida e assiste a episódios gravados de seriados da tevê a cabo com as amigas, nos intervalos dos estudos para o vestibular. Quer mudar o mundo, fazer a redistribuição de renda. Então, pensa, vai fazer Jornalismo.

Carolina é uma dessas meninas de 18, 20 anos, que qualquer pessoa que vive em Curitiba já viu aos montes. Circulam lépidas e faceiras pelas ruas da cidade, aquele ar blasé cuidadosamente estudado diante do espelho. Usam roupas caras que parecem ter saído de um baú velho. Só para impressionar, parecer que são descoladas. Parecer que não se preocupam com as espinhas no rosto ou com o que as pessoas vão pensar se entrarem sozinhas em um barzinho esfumaçado.

Bebeti Amaral, jornalista, dona de livraria, escritora, viu muitas dessas meninas. Observou bem seus trejeitos. E escreveu um livro sobre — e para — elas: O Diário Supersecreto de Carolina (Objetiva, 296 páginas). Tem um formato um tanto estranho para as meninas da idade da personagem. Afinal, quase ninguém mais tem diários, hoje em dia. É mais uma agenda, com anotações de compromissos ou colagens com tíquetes-de-cinema-e-aquele-chiclete-que-o-menino-estava-mascando-antes-do-beijo.

São nove meses na vida de uma menina classe média, na fria e cinza cidade de Curitiba. Ela vive com frio. E reclamando do cinza. Aliás, muita gente vive com frio e reclamando do cinza dessa cidade. Justo as coisas mais charmosas e encantadoras daqui. Mas sair de Curitiba, só para ir para o exterior. No caso de Carolina, Paris ou Los Angeles (só para conhecer seu maior ídolo, Madonna).

Um dos aspectos mais interessantes do livro de Bebeti, para quem conhece ou mora em Curitiba, é o cenário. Carolina circula pelo centro da cidade observando os turistas (“Curitiba agora tem turistas”)  vendo as flores da Rua XV, almoça no Mikado — restaurante que, dizem, é freqüentado por intelectuais e, portanto, ambiente mais que perfeito para que ela pareça bacaninha — e estuda na Universidade Federal do Paraná — lá, entre uma aula e outra aprendendo como escrever um lead (“o primeiro parágrafo, onde deveriam vir as informações mais importantes”), enfrenta de cara uma greve de professores. Curitibanices.

Para escrever o livro, Bebeti entrevistou dezenas de garotos e garotas que estão prestes a entrar no maravilhoso mundo dos adultos. Leu tudo o que encontrou sobre eles. E todas as publicações feitas para eles. Até deve ter assistido aos seriados da tevê a cabo. Friends, principalmente. Encontrou uma linguagem fácil para se comunicar com os adolescentes. Divertida, até.

Em muitos aspectos o livro se parece com o best-seller O Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding (Record, 320 páginas). Além do título, que deixa evidente a fonte em que Bebeti bebeu para escrever sua obra, e da capa (ambas têm estampados objetos de uso pessoal de suas personagens), há outras coincidências. Helen também é jornalista, também faz um relato da vida de uma mulher (Bridget tem uns 30 e poucos anos, mas em muitos aspectos parece uma adolescente, como Carolina), também o faz em forma de diário (se para uma adolescente já é estranho esse formato, quanto mais para uma balzaquiana), também fala de relacionamentos complicados e sonhos de consumo e de vida. Nada de inovador.

Os homens provavelmente vão achar ambos chatinhos. Mas podem ler para ver o que as mulheres acham deles, afinal. Não vão gostar muito da resposta, é verdade. E vão ficar batendo boca com as feministas, que vão achar que é isso mesmo, que os homens são uns insensíveis, uns mulherengos, traidores e coisas do gênero. Discussão que não vai levar a lugar algum.

Helen Fielding fez tudo isso primeiro. O que, na verdade, não quer dizer muita coisa. Afinal, nenhum dos dois livros é uma obra-prima. Mas funcionam bem. Cada um para um público diferente. Ou para o mesmo. O Diário Supersecreto de Carolina não deixa de ser uma obra interessante. Para meninas, como diria um jornalista que conheço. Leve, irônica, crítica aos costumes de fachada dos curitibanos. Mas não muito mais do que isso.

Andrea Ribeiro

É jornalista.

Rascunho