Quem conta um conto pode subtrair ou acrescentar um dois três pontos mas se o histórico sujeito que escreve um conto tem como nome Nuno Ramos tudo é possível no que diz respeito ao conto. Transitar pelas 283 páginas de Ó, com 25 narrativas, é viagem pelo inusitado, sobretudo se o assunto é linguagem, estruturação e eventuais tradições que consolidam e engessam modelos. Alguns, sabe-se lá quem, podem franzir o cenho e indagar: mas isso é conto? Afinal, Nuno Ramos elaborou textos ficcionais que flertam com teses e análises, tamanhas são as reflexões da voz narrativa. Túmulos, por exemplo, o segundo conto, é um contínuo refletir a respeito do final da existência. Por meio de trilhos não antes percorridos, o autor (que é o narrador, ora, direis) aponta para uma nuance cruel: quem sobrevive tenta se vingar de quem morreu, de variadas maneiras, seja ao tentar se apropriar de bens, do corpo da eventual companheira do falecido, entre outras pilhagens. É conto? Obviamente que é. Ao escrever contos, Nuno Ramos reinventa o que foi e agora pode ser e é será um conto.
Um dia dentro do outro como se fosse uma boneca russa, um conto dentro do outro como se tudo fosse uma mesma locução — fôlego contínuo e uma tela sem fim uma parede infinita não dentro de um museu mas nas ruas de uma grande cidade como Londrina ou Bagdá. Você, leitor, você, leitora, nenhum de vocês sabe mas eu tinha de entregar a resenha durante o Carnaval, então desfilar na Cândido de Abreu, a passarela do carnaval curitibano, fui lá, na Embaixadores da Alegria, com a camiseta do Combate Barreirinha, e me perdi, adiei ao máximo a entrega da resenha, que talvez nem seja uma resenha, decidi mesmo não decidindo adiar tudo, e talvez isso não seja uma resenha porque não tenho certeza se li o livro certo, e em algum momento esta página é quase substituída por anúncio.
Mas uma voz de Nuno Ramos pede para seguir, segue sem pedir, (artista que é), referência comum que é o corpo humano, em diversos contos, com diversas idéias-forças a respeito do que é pode ser a tal da nave corpórea. Às vezes, a solução seria costurar o anel de casamento no dedo, pois ao irreversivelmente engordar surge uma constatação que não se tem mesmo controle sobre essa máquina corporal, em que humanos carregamos frutos no estômago e outros abrigam pedras. O que é um espelho, diga você, que já pensou o corpo como um diário que o dono dele fez, faz e fará. Há microfonias dentro do corpo, pois o carnaval passou mas ainda não foi embora, aqui mesmo em Curitiba onde já houve uma escola de samba chamada Não Agite, não agite muito em Curitiba, os curitibanos talvez não permitam e por isso aquele amigo que foi embora falou que aqui seria a terra onde os Mozarts tocam piano de teclas de borracha.
De Pirapora a Bagdá, Xapuri que está longe, tenho a sorte de viver cantando e ter o céu pra me ajudar. Qual é a tua, hein? O que tem feito? Se o sol guia o meu caminho, posso te contar que tenho entrado em ônibus que me levam a destinos que não conheceria de outra maneira, envio envelopes a destinatários desconhecidos, acumulo açúcar endurecido, acendo lâmpadas durante o dia, estudo idiomas de civilizações que desapareceram e dou bom-dia a postes e cavalos. Por que será que as pessoas não gostam de dizer bom dia e não costumam dizer bom dia em Curitiba? Você, aí em Porto Alegre, Rio, São Paulo, conhece Curitiba? Sabe quantos interrompem a própria existência diariamente na capital paranaense? Uma regra, escrita, outra, não assinada, impede a difusão desses dados, mas tenho um conto camuflado de resenha e difusão de dados oficiais que em breve falará deste assunto, porque já entrou na gráfica no estado de Minas Gerais, ok?
Cadê você, Jamil Snege? Para aonde foi o avião que te levou daqui? Agora, moro próximo de onde você morava antes de pegar o bilhete apenas de ida. Se não te agradeci, fica registrado aqui, muito obrigado, por tudo, sobretudo por ter sido o primeiro a derrubar as portas para eu passar e entrar nesse mercado de texto, mas principalmente pela amizade. Destro, caro Jamil, vou escrever apenas com a esquerda, mesmo porque a canhota nasceu no sábado, meu dia preferido. Ei, Jamil, você era certeiro ao observar que os anões não suportam os que têm superpoderes como você teve durante todos os 63 anos, os nanicos tentaram e ainda querem te soterrar, esses todos que te invejaram, tentaram te tornar invisível nesta cidade linda, você, Jamil, o maior escritor de todos os tempos que Curitiba gerou e jamais fará outro, genérico, similar.
Hipócrita leitor, my brother, meu igual, nem diga pense sugira que isto é não é resenha porque tudo é resenha há outras opções para falar de um livro do que o modelo que todos conhecem como o Nuno Ramos fez e faz contos que implodem aquele chavão que muitos pensam que é o conto. Ei, este texto não é pra você que ensina literatura na universidade. Pode abandonar a leitura, se és mestre, doutor, PhD, por favor. Isso não é pra você. Fique lá com os moldes clichês, com tudo o que está sob controle, por favor. O Ó não é azul, o A não é negro, o I não é rubro, nem verde seria o U. Tchau, o verdadeiro invento é o tacape, a adaga e a granada, todos sabem, desde que as armas e os barões foram assinalados.
Como explicar ao leigo, um meigo assassinato? E os psicanalisados? E a turma do humor inglês? Devo encontrá-los no inferno, salão cheio, jogando dados, por acaso, mas quero ficar sozinho e parece que apenas isso se me trancar no banheiro, na privada. A privacidade, onde está? Quero o silêncio da casa onde o amor entrou encheu cada lugar com um destino, um sucesso ou um fracasso, que passam por ela, insetos breves, como se fossem durar mais que seus tijolos, colunas, lajes. Vamos elogiar animais por mares nunca de antes navegados e também memórias gloriosas as famas de vitórias que não aconteceram que outro valor mais alto se alevanta.
Ei, hipócrita leitor, meu igual, meu irmão: se você não encontra alívio para os seus impulsos insuportáveis, busque o mistério de casos especiais. Cortinas de silêncio não te deixam perceber que toda noite a vida pode acabar. O dormir pode interromper a vida, todo dia, e não percebemos essa viagem, e ao retornar tudo é bom, mesmo, mesmo ruim, voltamos, temos outra chance, até para não fazer nada. Não lembra dos sonhos? Deixe os sonhos lá na terra de Xambalá.
Ó, de Nuno Ramos, te espera.