Bailado das máscaras

Resenha do livro "O impostor", de Ronaldo Bressane
Ronaldo Bressane, autor de “10 presídios de bolso”
01/08/2002

A poética brasileira sofre um estiramento muscular, alargada de expressões espúrias. Vive um longo colapso comercial, sem poder de influência, revirando o purgatório, entre a publicidade e o hermetismo. A poesia está mais na estante do que perto das mãos. De um modo geral, os poetas não acreditam no futuro. Descrentes, exasperam experimentos, escancaram as janelas ao terror urbano e não há disposição para soprar o fio épico e embalar dramas maiores. Repetem o que já leram. Quando têm histórias, não têm poesia para cantar. Quando têm poesia, não têm histórias para contar. Os testes foram extremamente prodigiosos que a maior ousadia a ser feita é voltar à caretice das formas. Tanto que o revival de sonetos apanhou inclusive Glauco Mattoso. É tempo de trocar a pele. O conteúdo vai subjugar os estilos nas próximas décadas.

A escrita de Ronaldo Bressane sintetiza o momento de transição. O contista estréia na poesia com O impostor, em edição revistada da Ciência do Acidente. O título sugere uma fratura, o escritor fora do livro, intruso. A tarja preta como que desculpa seu ingresso na festa. Ele almeja vender a doença, não a cura. Incentiva a eutanásia autoral, vibrando temas da hora a cada linha como impostos e prostituição infantil. “Quero morrer de paradoxo, / já que sou eu a doença.” Os versos têm as cutiladas do fraseado ficcional, propagando o mundo imundo. Apesar da aparência, são minicontos, sempre com uma sacada final, um gancho lírico, que fecha o expediente e fornece um ingrediente de surpresa ao relato. São 49 poemas apocalípticos e desintegrados, submersos no dia-a-dia. Fotogramas de personagens que não tiveram chance em romance, como vendedores de lixas, suicidas e aposentados. Uma das figuras é o homem de marketing, com detalhamento do seu currículo (leia-se árvore genealógica criminosa) até o final que envenena e sublima o que foi dito: — “vou ao banco de sangue/ vender um pouco do meu”. Imagens surreais e abruptas, relacionadas ao fisiologismo, proporcionam uma saga antimoralista. A trilha sonora pop envolve a revolta contra o intelectualismo. Bressane exerce a política da negação. Nega os pedágios da cultura pela espontaneidade do desaforo. “Resolvi que fiquei burro.”

O impostor
Ronaldo Bressane
Ciência do Acidente
80 págs.
Fabrício Carpinejar

É jornalista e poeta. Autor de caixa de sapatos, entre outros.

Rascunho