Em algum momento da história, Arquimedes descobriu o princípio da alavanca, e como era um grande frasista, deixou de presente para a humanidade esta: “Dai-me um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Muito provavelmente, depois dessa descoberta, ele deve ter sido chamado para mover um monte de coisas encalhadas pela Grécia antiga. E se, em uma dessas intervenções, houvesse alguém por perto que se sentisse inspirado para começar a pensar e estudar o mundo? Esse é o ponto inicial da lenda de Hipotálamo de Quimera, um sábio como poucos existiram, cuja história e seu legado são contados por Ignacio Padilla em seu O homem que foi um mapa.
Hipotálamo era um guerreiro do Grande Micróbio Peritônio, Imperador de Todos os Valentões do Mundo. Mas ele não era muito sortudo, pois perdeu um olho na batalha de Siracusa e uma perna lutando contra os trácios. Por fim, perdeu também uma mão enquanto descascava cenouras. Dispensado do exército, Hipotálamo se torna um pescador e vai viver uma vida sossegada à beira-mar na aldeia de Quimera, até o dia em que vê Arquimedes em ação. A partir desse dia, Hipotálamo vende seu barco e se dedica aos estudos, com o objetivo de encontrar o tal ponto de apoio de Arquimedes e dá-lo de presente ao grande sábio grego. Há outra tragédia na vida do ex-soldado, mas o que importa é que Arquimedes esnoba o presente que Hipotálamo lhe traz e ele, desiludido, fecha seu único olho e morre.
Os habitantes de Quimera, depois de um tempo, passam a repetir os ensinamentos de Hipotálamo pelas ruas da aldeia, que começa a adquirir a fama de ser um local onde os segredos da vida plena e feliz podem ser descobertos. Para proteger esse conhecimento, os aldeões constroem labirintos e inventam táticas e estratagemas. Até mesmo Arquimedes, que já velhinho ouve falar de Hipotálamo, fracassa em sua tentativa de descobrir o segredo de Quimera. A história vai longe, e o homem que foi um mapa (e que na história são dois, na verdade) ainda vai demorar um pouco para aparecer.
Felizmente, Padilla não advoga pela retidão moral ou faz de seu O homem que foi um mapa um libelo pelo politicamente correto e pela postura humilde. O autor apenas relata fatos, deixa personagens importantes morrerem ao longo do caminho, alguns até de maneira nada agradável.
Na prática, o que Padilla quer nos contar é que a soberba que se adquire com a sabedoria mal usada pode ser fatal. Toda vez que alguém no livro parece saber muito e começa a se orgulhar demais disso, vem um infortúnio provocado pelos deuses para mostrar o devido lugar dos mortais. Isso acontece com Arquimedes, com Hipotálamo, com os herdeiros perdidos de Quimera, com os sábios que procuraram descobrir seu segredo ao longo do tempo. Os segredos da antiga vila de pescadores só são descobertos quando pessoas que os procuram para compartilhar, e não para possuir, aparecem pelo caminho.
Felizmente, Padilla não advoga pela retidão moral ou faz de seu O homem que foi um mapa um libelo pelo politicamente correto e pela postura humilde. O autor apenas relata fatos, deixa personagens importantes morrerem ao longo do caminho, alguns até de maneira nada agradável, e conta que a busca pelo conhecimento pode cegar o ser humano ou isolá-lo do convívio com outras pessoas, fazendo-o esquecer o que o torna humano.
A narrativa de Padilla é simples e direta. No entanto, a transição entre o passado e a fase final do livro poderia ser um pouco mais trabalhada. A narrativa parece dar um salto longo para justificar como a lenda de Quimera chegou aos dias atuais. Do mesmo modo, o fim do livro deixa um gosto meio amargo na boca, ao colocar uma sonda espacial para concluir a história. Não é algo que prejudique o belo livro, mas um detalhe que poderia ser mais bem trabalhado. As ilustrações de El Fisgón são um bom acompanhamento ao texto e ampliam a imaginação do leitor que já vê labirintos, cidades, muros, barcos e mapas tatuados em pessoas em sua cabeça. É um livro gostoso, indicado para embalar sonhos de viajantes.