Assassinato histórico

Sinval Medina: grande construtor de personagens masculinos
01/05/2004

Um livro com a marca Sinval Medina é sempre ousado e bem-vindo. O autor de Liberdade condicional apresenta em A faca e o mandarim um painel da política nacional no início do século 20, precisamente entre 1915 e 1917, período em que o senador gaúcho Pinheiro Machado se destacou como uma das figuras mais importantes no país e, se não me falha a memória, pouco lembrada na literatura nacional. Como bom gaúcho radicado em São Paulo, Sinval Medina não esconde a simpatia pelo senador. Os gaúchos se reconhecem mais fora do que dentro do estado.

A faca e o mandarim mostra, como nos trabalhos anteriores de Medina, a linguagem como um construto tão importante quanto a própria trama. O narrador, Custódio de Paiva, que observa a trajetória de Pinheiro Machado, não é um escritor, e sim um repórter pouco acostumado a textos não jornalísticos. Sua linguagem apresenta tortuosidades próprias de quem se inicia na busca da palavra certa, entremeadas com frases curtíssimas, indiciando o ranço jornalístico de Custódio. Sinval dá mais uma prova da maestria na separação entre autor e narrador:

Mas isso ficou para trás. Perdeu-se na poeira dos tempos. Agora, ele é o último ser vivo que eu desejo encontrar pela frente. A intromissão me desconcerta. Num átimo, vejo ruir por terra o sonho de dar um pontapé na lata de lixo da vida. Estou desmascarado. O doutor Paulo acaba de descobrir minha verdadeira origem. Nasci num cortiço na Ladeira do Faria, na Saúde. Meus comparsas são tipos como Zé Canário. Enxeridos. Perniciosos. Incapazes de conhecer seu lugar.

Um dos mais interessantes personagens do livro é João do Rio, jornalista considerado precursor da reportagem no Brasil, que recrutava, no dizer dele mesmo, perdigueiros (aprendizes de repórteres, entre os quais, Custódio de Paiva) para ajudá-lo a farejar notícias no Rio de Janeiro. Medina nos fazer crer que estamos em frente, respirando o mesmo ar que o do imponente jornalista, tanto quanto o de Pinheiro Machado.

Sinval Medina é um escritor dissonante. Não existe outro autor — até onde lembro — com sua a capacidade para reunir com tanta personalidade o relato fictício com a pesquisa jornalística, o que já se observara na figura do maestro e personagem principal de O herdeiro das sombras, entre outros trabalhos. São horas, provavelmente, dedicadas à pesquisa que resultam em um painel de relevância histórica para esta e futuras gerações.

A faca e o mandarim
Sinval Medina
A Girafa
597 págs.
Eduardo Portanova
Rascunho