As primeiras vezes e outras naturezas

A publicação do primeiro livro custa muito esforço a um autor
Claudia Lage: bons diálogos
01/09/2000

A publicação do primeiro livro custa muito esforço a um autor. Na maior parte das vezes, o autor em potencial envia manuscritos às editoras e fica esperando ansiosamente por sua resposta, que costuma demorar de um a seis meses (ou até para sempre), dependendo do caso. Obviamente, a maior parte das respostas é negativa, caso contrário teríamos um mercado editorial muito maior do que este que se apresenta.

Um “atalho” para este círculo fechado pode ser encontrado em alguns concursos literários que são promovidos pelo país adentro. Dificilmente um autor “revelado” por um concurso relevante não terá material de interesse para editoras. E esse foi o caso da carioca Claudia Lage.

Claudia é formada em teatro e interpretação pela Universidade do Rio de Janeiro e em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Com o conto A Hora do Galo, venceu o concurso Stanislaw Ponte Preta, promovido pela RioArte, em 1996. Prêmio em mãos, Claudia recorreu a Luciana Villas-Boas, da editora Record (a quem a autora agradeceu nas próprias páginas do livro), que acabou por lançar neste ano o livro de contos A Pequena Morte e Outras Naturezas (Record, 224 págs.).

Claudia se dá bem com o conto. Em um estilo conciso, ela trata de temas ligados à subjetividade humana, sempre procurando desenhar com cuidado as características psicológicas de seus personagens. Não há como evitar uma comparação com Clarice Lispector, que, como Claudia, gostava de tratar de um mundo observado através de lentes femininas. A autora carioca não esconde suas preferências. Cita Clarice e declara ser a autora de origem ucraniana uma de suas principais influências. O conto A Hora do Galo, que despertou a atenção dos escritores Antônio Torres e Sérgio Sant’Anna, tem semelhanças com Feliz Aniversário, de Clarice. Naquele, Claudia narra o dia na vida de uma velha que acorda dizendo ser seu último como viva: “De hoje eu não passo!”, exclama à irmã e companheira. Depois quer resolver todas as pendências com as pessoas que fizeram parte da sua vida.

Claudia sabe se virar com o conto porque possui fluência para diálogos. Sabe delimitar bem suas personagens principais, embora não o faça com tamanha riqueza com outros que visitam seus textos. Também gosta de temas excêntricos, como o prazer pela morte em A Pequena Morte. E às vezes passa pelas frivolidades da vida comum, como em Encontro. A variedade temática é grande, boa para um livro inicial, que expõe as maiores qualidades — e pequenos defeitos — da autora.

Estes se encontram nos seus saltos entre objetividade/subjetividade de suas histórias. Grandes parágrafos que descrevem pensamentos, sensações e sentimentos são entrecortados por pequenas cenas “práticas”, que parecem simplesmente servir para ligar uma sensação a outra. Em A Pequena Morte, a vida de sua personagem salta de linha em linha, sem que seja entendido o processo de sua transformação — objetivo primeiro do conto. A sucessão dos acontecimentos é quase fantasiosa.

Já o que chama atenção nos contos é o fôlego e ritmo dos textos de Claudia. A maioria dos contos tem cerca de 20 páginas quando aparentam ser muito menores, dada a rapidez com que se lê. Os diálogos, sempre, muitos, dão bastante agilidade às histórias e transformam histórias aparentemente insossas em narrações ora engraçadas, ora emocionantes, que fazem identificar muito do que a autora pensa e sente sobre sua própria vida.

Muito da literatura de Claudia parece brotar de páginas daqueles cadernos que escreve-se como passatempo preferido. Cadernos como de meninas de colégio que, durante o decorrer da aula, escrevem somente para as folhas suas confidências. Desatentas meninas que deixam para os cadernos as palavras, que permeiam suas experiências incompletas. O amor secreto, o desejo contido, o sentimento sofrido. Todas essas sensações percorrem os personagens de Claudia. A morte, também, como outras naturezas.

Ricardo Sabbag
Rascunho