As muitas idades do leitor – Rabisco

Como se determina a faixa etária de um livro infantojuvenil
Ilustração: Carolina Vigna
14/04/2015

O Rascunho completa 15 anos. Fiquei um tempo considerável pensando em um texto especial para esta edição. Passaram pela minha cabeça todas as brincadeiras óbvias e idiotas com o número 15 e com debutantes. Vou poupá-los.

Optei então, já que estamos falando de idade, por tentar explicar a vocês como se classifica um livro infantojuvenil pela faixa etária. É importante, entretanto, deixar claro que estas diretrizes não são obrigatórias e que muitas editoras desenvolveram métodos próprios. Além disso, cada criança é diferente e esta avaliação precisa ser individual. Então pergunto: será que, com todas estas peculiaridades, é realmente necessário sugerir uma faixa etária como orientação para bibliotecários, livreiros, pais e professores?

Você verá que isso não é tão simples quanto parece.

Atualmente, no Brasil, ainda é amplamente usada a classificação de 0 a 3, de 3 a 6, de 6 a 8, de 8 a 10, de 10 a 12, de 12 a 14, de 14 a 16 anos e adulto. O conteúdo vai de álbuns de gravuras, sem texto (picture books) até os romances, passando por contos de fadas, etc. Essa classificação tem problemas. Muitos. O primeiro deles talvez seja ainda se basear na divisão sugerida por Lourenço Filho, em 1943. Setenta e dois anos é tempo considerável, principalmente se lembrarmos que no meio do caminho surgiu a internet, o celular e o e-book. O hábito da leitura mudou não só para os adultos.

Depois da explicação do desenvolvimento intelectual de Jean Piaget (1896-1980), tentamos uma nova divisão: de 3 a 6 (pensamento pré-conceitual, construção de símbolos); de 6 a 8 (pensamento intuitivo, ainda mentalidade mágica); de 8 a 11 (operações concretas); de 11 a 13 (operações formais, orientação para o real); de 13 a 15 anos (operações formais, descoberta do mundo interior, formação de valores). Melhorou muito, dirá você, com razão.

Então vieram os gringos e suas fórmulas para tudo. São basicamente três: a Forecast, a Fog e a Flesch-Kincaid. A primeira conta quantas palavras monossilábicas (M) existem em uma passagem de 150 palavras e aplica na fórmula Idade = 25 – (M/10). A Fog é 2/5 (A/n + 100L/A), onde A é o número de palavras no trecho analisado, n é a quantidade de frases completas e L é a quantidade de palavras com mais de três sílabas. A Flesch-Kincaid é uma conta maluca que eu nunca entendi direito e você será mais feliz se googlar.

Não é só você que está achando isso confuso. Uma boa parte dos editores resolveu, então, classificar de acordo com o nível escolar. Educação infantil ou pré-escolar, Ensino Fundamental I, Fundamental II, Ensino Médio. Meu filho está terminando o Fundamental II. O que ele lê hoje é completamente diferente do que lia seis meses atrás, que dirá durante todo o Ensino Fundamental. É complicado pensar nesta classificação, não gostaria de estar na pele de quem passa por isso todos os dias.

Múltiplos fatores

Existem aqueles que dividem apenas em infantil e juvenil. A compreensão mais comum do que venha a ser infantil é de 2 a 10 anos, e juvenil de 10 a 15. Fico aqui me perguntando o que o leitor de 2 anos tem em comum com o de 10.

Eu ainda sou da política de que livro não deve ter faixa etária e que essa orientação precisa partir do educador ou do bibliotecário, mas eu vivo em um mundo utópico aqui na minha cabeça, onde o meu cavalo só falava inglês, a gente era obrigado a ser feliz e as bibliotecas públicas eram muitas no meu país.

Voltando para a realidade, precisamos sim de uma orientação. O último dado que passou aqui pelas minhas mãos, lá da SNEL (Sindicato Nacional de Editores de Livros), foi de que apenas no ano de 2013 produzimos mais de 62 mil títulos no Brasil. Algum tipo de norte é necessário.

As editoras pequenas com frequência conseguem se adaptar mais rapidamente. É aquela velha metáfora do tempo que o elefante e a formiguinha levam para mudar de direção. Nesta questão, a editora que melhor resolveu isso, na minha opinião, foi a Pipoca. Eles aplicaram as ideias de Lev Vigotski (1896-1934) e criaram uma orientação que permite um livro estar classificado em várias idades simultaneamente, a partir da zona de desenvolvimento proximal. Ou seja, a partir do conteúdo que a criança tem contato em outros segmentos de sua vida. No blog da editora, tem um textinho muito simpático explicando isso tudo, de onde destaco:

Por fim, Vigotski foi o primeiro a pensar que a dimensão da inteligência está totalmente ligada à da afetividade. Lindo, não é? (…) Porque isso é importante: não faz a menor diferença a indicação etária do livro se a criança gostar do tema da história. Ou das ilustrações. Ou dos recursos tecnológicos.

A noção de que a criança se desenvolve em função de suas condições socioeconômicas e vínculos sociais vem de Vigotski. Foi ele também quem falou sobre instrumentos simbólicos, ou seja, que a linguagem é um instrumento, uma ferramenta. Hoje se fala muito em inteligência emocional, algo que, de certa maneira, vem daí. Então, essas coisas estão ligadas. O desenvolvimento da criança é o que importa na hora de classificar um livro, mas os humanos são complexos, heterogêneos e dependem de um número grande de fatores para crescer intelectualmente. Não somos insetos.

O Robert A. Heinlein (1907-1988) tem uma frase que eu adoro:

Um ser humano deve ser capaz de trocar uma fralda, planejar uma invasão, matar um porco, comandar um navio, projetar um edifício, escrever um soneto, fazer a contabilidade, construir uma parede, cuidar de um ferimento, consolar os que estão para morrer, receber ordens, dar ordens, cooperar, agir sozinho, resolver equações, analisar um novo problema, adubar a terra, programar um computador, cozinhar uma refeição saborosa, lutar eficientemente, morrer galantemente. Especialização é para insetos.

Com tudo isso, como classificar? Claro, eu poderia fazer o discurso (é tentador) de jogue a classificação pela janela, o que importa é que a criança tenha acesso a livros, que leia, etc. Claro, é o que importa de fato, mas por outro lado, entregar à criança um livro para o qual ela ainda não está preparada pode acabar gerando frustração e desinteresse. Minha sugestão é: leve seu filho à biblioteca. Ensine-o a não atrapalhar os outros, a não danificar os livros, a não correr, a não falar alto, a ser educado. A partir daí, deixe-o solto. Crianças são inteligentíssimas e bibliotecários são deuses da paciência e da boa indicação.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

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