Histórias populares de uma pequena cidade do estado de Alagoas que se imbricam produzindo um texto longo carregado de intenções poéticas não realizadas. Memórias de uma narradora ingênua, mas esforçada. Ela imita, em algumas passagens, o linguajar da terra. Em outras, se atém à sua própria língua. Esse tipo de miscelânea, muito comum nas escrituras contemporâneas, soa artificial.
Há um conteúdo rico, mas conteúdo não garante a arte literária. Somos conteúdos, as coisas o são. Reproduzi-los literalmente não requer mais do que a capacidade de escrever com fluência. É o que faz a autora de Ciranda de nós, Maria Carolina Maia: linguagem confessional, memorialista; produzida a partir de um olhar indulgente sobre o mundo.
Olhar que nada revela, apenas reflete a visão limitada da narradora que não se liberta de seu espaço-tempo mental e psicológico para recriar o mundo, segundo a ordem-desordem das matérias-prima a serem trabalhadas — vida e linguagem.
Ela se atém a reproduzir a aparência natural da vida ou a redimensioná-la buscando dar às histórias um caráter extraordinário. Os personagens não passam de figuras descritas, analisadas e interpretadas.
Envolvida com lembranças e a necessidade de expô-las, a narradora o faz com um lirismo adocicado, acentuando o bucolismo de paisagens intocadas pela urbanidade. Resgata o olhar da menina de classe média que observava as diferenças sociais entre as pessoas da província.
Analisa e explica suas experiências culturais e afetivas, empobrecendo o texto, já que seu olhar é protagonista único em meio às tantas possíveis personagens que são arroladas, mas que não exercem papéis.
Suas análises explicativas e interpretações, em geral, perpassam o lugar-comum, o que pode ser observado na seguinte passagem:
Não é de mim que eu quero falar. É que acabo dando comigo quando me ponho a vasculhar a memória em busca de informações sobre São José. Lá onde, como disse, desaprendi a viver. Ainda bem. Porque o que eu conhecia de vida até ali era muito sem graça.
Educar já é por princípio, reprimir, meter uma personalidade espontânea numa forma pronta. Lá em casa, além disso, a gente foi educada para ser católica na mais crespa nuança do termo. Na mais claustrofóbica. Eu não era uma alma boazinha que achava tudo meigo porque era uma santa. Eu era uma alma como que mutilada, alguém que tinha todas as ações controladas, contidas, engolidas, censuradas. Era terrível.
Cada conto ou fragmento de texto é dedicado à história de um personagem. Em geral, personagens pitorescos; sem densidade psicológica. A maioria deles é pobre e se contrasta com a condição social da narradora.
Esse fato, em vez de gerar conflitos internos e/ou externos, apenas sustenta a visão romântica da classe média que valoriza o pobre em detrimento do rico, com o objetivo de mostrar que o primeiro, apesar de sua condição material inferior, possui valores, sensibilidade e sabedoria.
As histórias de alguns personagens são as linhas que costuram a variedade de outras, formando, como diz o título do livro, a Ciranda de nós. A narradora apenas sobrevoa tais histórias, resignando-se a contá-las com as tintas desbotadas de um tempo esvaziado. As personagens não têm força vital. São apenas decorativas.
Ciranda de nós tem a qualidade da simplicidade. A autora não é pretensiosa. Sua escrita flui, levando na corrente das palavras tendências estilísticas e influências, embora citações literárias um pouco forçadas dêem sinais de sua cultura letrada.
É desnecessária a uma obra artística a citação de outros autores, apenas para autorizar a artista e agradar ao leitor cult. Tal leitor, muitas vezes, não passa de consumidor do que se propala alternativo.
Quem ama a arte não fica restrito ao modismo, seja de massa ou de elites, mas se aprofunda na busca infinita pela originalidade. Originalidade que requer muita coragem para o desnudamento do corpo, da alma e da linguagem.
Outra qualidade de Ciranda de nós é o fôlego da autora em manter de pé um texto que ao seu longo parece dissolver-se numa mesmice de histórias reais e irreais se metamorfoseando.
Colocados num mesmo plano, cotidiano e monstruosidades revelam o imaginário da narradora-menina crescida. Como exercício literário, o texto tem valor. Bom para a autora. Mas, como arte literária, para leitores exigentes, não é indicado.