Você sabe qual é a capital do Paquistão? Eu também não sei, e essa é justamente a questão. Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. O pouco que sei é que o Paquistão é um país subdesenvolvido, bastante populoso, uma coisa assim… exótica.
Para muita gente de fora, principalmente para os americanos, o Brasil também é mais ou menos assim, um grande país subdesenvolvido, populoso, exótico. Não fossem o futebol, o carnaval, suas mulheres e o carona de astronauta, seríamos completamente desconhecidos. Então, por que diabos os americanos teriam que saber que falamos português e que nossa capital é Brasília? Brasília, por acaso, tem mais importância que a capital do Paquistão?
O Brasil dá importância demais a si mesmo na ordem mundial e se irrita à toa porque os americanos pensam que falamos espanhol e que nossa capital é Buenos Aires. E agora, com a Guerra do Iraque, o prato está cheio para se falar mal dos americanos. E quando é um americano que detona seu povo, melhor ainda. Só isso pode justificar a edição no Brasil de Um homem sem pátria, um amontoado de bobagens escrito por Kurt Vonnegut.
A exemplo do Brasil, Kurt dá importância demais a si mesmo. Seu currículo não é desprezível. Combateu na Segunda Guerra e publicou 30 romances, principalmente de ficção científica. Mas, aos 83 anos, dá sinais de que já está fazendo hora extra no mundo — pelo menos no literário. Um homem sem pátria é apresentado como coletânea de crônicas, colagem autobiográfica ou seleção de microensaios. Seja o que for, é muito fraco, desinteressante e pretensioso.
Já de cara, Kurt diz que é um piadista porque era o caçula da família, e que a única maneira de um caçula entrar numa conversa adulta é fazendo piada. Lamento dizer que a leitura de seu livro em nenhum momento me fez mexer os lábios, a não ser por alguns esgares de insatisfação, principalmente em afirmações como: “Qualquer assunto está sujeito à risada e imagino que houve risadas de algum tipo muito grotesco entre as vítimas de Auschwitz”.
Seguimos em frente. Em Sabem o que é um twerp, Kurt nos informa que considera um twerp quem não leu o conto Um acontecimento na ponte de Owl Creek, de Ambrose Bierce, e quem não tenha lido A democracia na América, de Tocqueville. Não li a ambos, mas só me senti um imbecil quando finalizei Um homem sem pátria, pelo tempo desperdiçado num livro de idéias vagas.
Em seguida, Kurt tenta mostrar Uma lição de texto criativo. Antes, ele nos informa que às vezes está apenas brincando escrevendo um “estou brincando” no final de cada parágrafo. Depois ele nos apresenta seus gráficos de boa e má sorte, o eixo B-M. O gráfico é tão “genial” que Kurt consegue, ao colocar Hamlet no eixo B-M, concluir que Shakespeare era um contador de histórias limitado.
O livro continua neste nível pelos dez ensaios (ou crônicas, ou peças de colagem autobiográfica) seguintes. O que aumenta gradativamente são as críticas aos Estados Unidos, aos americanos e a George W. Bush e sua guerra no Iraque. É esta parte que, provavelmente, fez Kurt ganhar notoriedade, até mesmo no Brasil.
Nada mais lugar-comum hoje em dia do que falar mal dos americanos e de Bush. O problema é que muitos criticam os Estados Unidos sem nunca ter pisado lá. Ou tendo pisado apenas nos brinquedos da Disney e nos shoppings de Nova York por alguns dias. De resto, o discurso contra é apenas uma repetição da lengalenga reinante em círculos de ignorância e em obras de falastrões como Kurt Vonnegut (“George W. Bush reuniu em torno de si a fina flor dos estudantes retardados que não conhecem história nem geografia, além de brancos racistas não tão enrustidos, também conhecidos como cristãos, e ainda, o que é mais assustador, personalidades psicopáticas.”).
Não sou a favor de guerra alguma, acho Bush tão idiota quanto Lula, mas não tenho motivos para falar mal dos ianques. Morei lá por cinco anos e sempre fui muito bem tratado, apesar de ilegal no país. Mesmo no início, quando não falava inglês e trabalhava clandestinamente como lavador de pratos, era mais cidadão do que sou no Brasil. E quanto a Bush, de que vale a minha opinião e a de Kurt Vonnegut se os próprios americanos o reelegeram?
Esse papo furado de Kurt é coisa de velho chato. Seu país tem defeitos, mas tem inúmeras qualidades, entre elas a opulência econômica que permite que um escritor mediano viva bem apenas escrevendo. Se ele não está satisfeito, se está se sentindo um homem sem pátria, que venha para o Brasil conhecer Marcola e o PCC. Ou melhor, vá para o Paquistão. Não sei qual é capital, mas deve ser uma cidade bem exótica.