Antes do tempo

Contos de “Depois de abril”, de Suênio Campos de Lucena, foram colhidos ainda verdes
Suênio Campos de Lucena: estréia precipitada.
01/12/2005

Pegue qualquer pé de fruta, qualquer um. Escolha uma que está quase para madurar. As cores são bonitas, a textura da casca é boa, e mesmo sabendo que ela está para madurar, você resolve experimentá-la. Você a pega, dá uma mordida, e só ali percebe que não adianta mesmo ser apressado, é necessário esperar mais um pouco para que a fruta esteja realmente boa. Não quer dizer que ela não tenha sido gostosa, que a experiência não tenha sido bacana, apenas que, se fosse a ela dado um pouco mais de tempo, aquela fruta estaria melhor e muito mais saborosa.

Como esse periódico não é um jornal de fruticultura, e tampouco é essa a sua pretensão, estamos falando de um outro fruto, Depois de abril, primeiro trabalho de ficção do jornalista Suênio Campos de Lucena, um dos colaboradores desse Rascunho. Suênio entende de literatura, tendo sido seu primeiro trabalho o livro 21 escritores brasileiros, lançado pela mesma casa editorial, em que o jornalista condensa 21 entrevistas que fez com escritores brasileiros ao longo de uma viagem de três meses pelo Brasil.

Depois de abril reflete esse conhecimento da literatura por parte de Suênio. Os 15 contos do livro mostram que o autor domina diversas técnicas, é hábil ao se referir a diversos autores, tanto nominalmente quanto em estilo, e consegue variar seus argumentos sem nunca se prender a uma temática exclusiva — o que poderia configurar a tentativa de se fixar em um segmento único. Mas a leitura ao longo do texto mostra que, se há bons momentos, há outros em que um pouco mais de calma teria feito bem ao escritor.

Em Cetim roxo, por exemplo, primeiro conto do livro, conhecemos Bruno Bueno, 17 anos, possível assassino da atriz Paula Machado, que acompanhava uma trupe de animadores de marionetes a uma excursão ao interior. O texto não segue a história cronologicamente, ele passeia do presente ao passado tanto de Bruno quanto de Paula, e conta como se deu o envolvimento entre eles, como a mãe de Bruno desaprovava suas escolhas e como ficou feliz quando Bruno conseguiu ingressos para ver o Festival de Bonecos. Não ficamos perdidos nesse vaivém, mas parece que falta um pouco mais de estofo para que o conto fique bom. Sem saber precisar o que é, deixo apenas a sensação de incompleto. É bom, mas poderia ser melhor.

Há contos, porém, que mostram, ou melhor, demonstram a capacidade de Suênio de produzir boa literatura. Em Três atos, o autor conta a vida do personagem, que ele mesmo dividiu em três atos. Ao longo do texto, temos uma noção clara e pesada de sua solidão, e do quão próxima de nós ela está. A solidão volta a aparecer em Vinho tinto, azeitonas e cigarros, dessa vez acompanhada da covardia. O personagem principal, Daniel, volta a casa após um longo tempo na capital, onde foi fazer um curso universitário. São tempos do golpe militar brasileiro. Durante sua estadia na capital, Daniel se envolve amorosamente com Miguel, um quase revolucionário que tenta levar Daniel, moço de origens pequeno-burguesas, para a luta armada. Daniel não tem coragem e foge, ou melhor, volta para a casa dos pais. Ali, outros acontecimentos o forçam a uma solidão que sempre temeu, e da qual não tem escapatória.

O prédio tem um ritmo interessante, com um bom mistério pairando no ar. Tardes de ócio e desejo é bom ao fazer o narrador em primeira pessoa evocar o seu passado ao lado de um amor já ausente, e de quanto esse amor ainda acalenta os seus dias. A festa consegue revelar que a hipocrisia e a desonestidade estão presentes em qualquer lugar, em qualquer família, de qualquer classe social. E em Depois de abril, conto que dá nome ao livro, ficamos com vontade de ler mais, de saber o que acontecerá com o personagem quando esse parte a um encontro marcado vinte anos antes. Não sabemos, mas a capacidade de fazer com que queiramos saber é um dos méritos de um bom escritor.

A questão da maturidade, ou da falta dela, se revela em detalhes ao longo dos contos. Em alguns momentos as revelações que aparecem, os rumos que os personagens tomam, não são de todo convincentes. A pergunta que fica é: como é que de repente aquele personagem tomou aquela atitude? Em Hotel Monte Blanco, por exemplo, a história da decadência do estabelecimento até que é convincente. Não é crível, porém, a atitude final do filho. Como pode?, pergunta-se o leitor a quem nenhum indício, nenhuma pista do que estava por vir havia sido dada anteriormente. Às vezes a surpresa é boa, às vezes ela deixa um gosto amargo na boca, não porque nos pega fundo, mas apenas porque ela não cabe ali. Em À espera, a seqüência de saltos que o personagem dá ao longo do dia, os coadjuvantes que aparecem do nada e desaparecem no ar, causam a impressão de que faltou um pouco mais de observação para que houvesse mais ritmo ao longo da narrativa. Palmas para Alfredo Júnior também carece de um ritmo melhor, mas o próprio autor parece saber disso, ao incluir uma terceira voz, que não é a do narrador nem a dos personagens no conto, comentando o próprio trabalho e sua aparente falta de sentido lógico.

É certo que o autor leu o comentário de Nelson de Oliveira na orelha do livro: “Pode ter certeza, não estamos diante da inocência ou da ingenuidade personificadas. Suênio sabe onde está pisando. Ao enveredar pela ficção, ele não ignora o que o aguarda: o deserto, a solidão. Porque não há mais o glamour nem a pompa e a circunstância dos anos de ouro”. Talvez uma mão se estenda para cumprimentar o autor. Se estamos no deserto, porém, muito provavelmente esta mão será uma miragem. Prova desta consciência é o último conto do livro, Personagem, em que Suênio conta, do ponto de vista do resenhista e crítico literário, o que é o lançamento de um livro por conta de um escritor estreante. Com tons de ser um conto autobiográfico, o personagem se vê ali, com seu livro Depois de abril nas mãos, pensando no que virá. E o que virá?

A obra nos conta que Suênio reuniu trabalhos escritos entre 2000 e 2005, e que não foram lançados antes pois o autor sentia que lhes faltava algo. Nunca é demais lembrar que há vinhos que só ficam excelentes após sete anos guardados. Se não tivermos paciência e tomarmos esse vinho aos seus três, quatro anos, ele será apenas bom. Suênio poderia já ser um ótimo tinto, mas abriram a garrafa antes do tempo.

Depois de abril
Suênio Campos de Lucena
Escrituras
144 págs.
Suênio Campos de Lucena
É jornalista, escritor e doutorando em Letras pela USP, com tese sobre a escritora Lygia Fagundes Telles. Da autora, organizou os livros Durante aquele estranho chá e a antologia Meus contos preferidos. Também pela Escrituras, publicou o volume de entrevistas 21 escritores brasileiros. É colaborador do Rascunho.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho