A força da herança polonesa se manifesta das mais variadas maneiras dentro do caldeirão que se chama cultura brasileira. Isso pode ser conferido em meio à vasta produção de Paulo Leminski (1944-1989), o Polaco, que nos anos 80 obteve repercussão em todo Brasil por transitar intensamente em várias áreas: literatura, cinema, música, jornalismo cultural, propaganda, tradução e em todo e qualquer terreno que fosse fértil para a liberdade criativa.
Uma possibilidade de entender as origens dessa “inquietação” de Paulo Leminski, e de sua “gente”, está nas páginas do recém-publicado Tu i Tam, parceria dos irmãos João e Teresa Urban — livro que sai com o selo da Mirabilia, editora paranaense situada na cidade de Primeiro de Maio. A obra tem como proposta jogar luzes sobre como teria sido a ilíada dos poloneses que deixaram sua terra natal, atravessaram um atlântico para tentar nova vida nestas terras meridionais.
As fotos de João dialogam com os textos de Teresa e ajudam o leitor a acompanhar a epopéia de camponeses anônimos que abandonaram um País em que não havia mais oportunidade de trabalho e onde não era permitido falar a própria língua — uma vez que no final do século 19 a Polônia estava sob domínio de outros países. Acuados, sem opções, foram vítimas daquilo que atualmente poderia ser chamado de “caso de Procon”: promessas de vida e enriquecimento fácil no outro lado do oceano fisgaram grande parte das famílias que subviviam nos campos de uma decadente Polônia.
O texto de Teresa mistura pesquisa histórica, análise, crítica e ternura para narrar, com fluência, a saga de seus ancestrais que, uma vez no Brasil, principalmente no Paraná, acabaram substituindo a mão-de-obra escrava na “indústria” da erva-mate. Chamados pejorativamente de “polacos” e também de “negros do Paraná”, os imigrantes trouxeram na bagagem muita fé e força de vontade que os ajudaram a superar as mais inesperadas adversidades. No trabalho agrícola introduziram tecnologia própria, sendo a “carroça de polaco” — eternizada nos traços de Poty Lazarotto — uma de sua contribuições para essa “cultura”. Fundaram escolas com aulas do idioma polonês para que as próximas gerações mantivessem a chama nativa. E muito do que foi plantado floresceu. Hoje as colônias por eles fundadas — entre as quais, Santana, em Cruz Machado, e Tomás Coelho, em Araucária — guardam marcas, costumes e tradições que já não se encontram nem mesmo lá do outro lado do oceano.
Tu i Tam traz mais, muito mais. Sobretudo imagens. As fotos de João Urban são de uma intensidade capaz de comover. Poloneses na Polônia. Poloneses no Paraná. Tu i Tam: aqui e lá.
“Um pinheiro não se transplanta”, constatou, há tempos, Paulo Leminski. “E o polonês, se transplanta?”, poderíamos perguntar. O livro tenta responder. O leitor pode encontrar a resposta. Ou não.