Carlos Herculano Lopes é um escritor brasileiro que, a exemplo de muitos outros, vendeu seus livros nas ruas de Belo Horizonte. Mas isso não o diminui em nada. Pelo contrário. Diante das dificuldades do país em áreas que deveriam merecer mais atenção, ele decidiu ir à luta. Nasceu em Coluna, no Vale do Rio Doce, Minas Gerais, em outubro de 1956. Vive hoje na capital mineira. É autor de nove livros e jornalista profissional. Trabalha no Estado de Minas.
Seu romance O vestido — escrito para o filme dirigido pelo cineasta Paulo Thiago — acaba de ser publicado na Itália (pela Editora Cavallo de Ferro, com tradução da professora Mariagrazia Russo, da Universidade de Viterbo), com um trabalho gráfico da melhor qualidade. Baseado no poema Caso do vestido, de Carlos Drummond de Andrade, o livro tem merecido críticas elogiosas em diversas publicações italianas. São 150 versos, distribuídos por 75 estrofes e transformados num romance de qualidade indiscutível, publicado no Brasil pela Geração Editorial, em 2004.
Essa transformação não foi tarefa fácil. O escritor e poeta Miguel Sanches Neto a explica bem, ao dizer que “o poema de Drummond é como uma estrutura de prédio, reduzida às colunas de sustentação e às lajes”. Sobre ela, atuaria o romancista, “preenchendo-a com os tijolos e com fachadas novas, de tal modo que o poema não se perde, mas serve como sustentação subterrânea para o novo edifício que se ergue”.
Não há definição melhor que essa. Carlos Herculano Lopes empreende no seu livro — e isso tem impressionado seus leitores italianos — uma viagem com noção literária impecável, coisa rara atualmente, quando a ordem parece ser apelar para as facilidades mais mesquinhas. Sobre a vida fora do eixo Rio—São Paulo, Carlos Herculano não tem queixas. Diz que o melhor é deixar “as coisas irem rolando”.
• O vestido está sendo publicado na Itália, numa bela edição, e vem recebendo grande espaço na crítica literária italiana. O que isso significa?
Publiquei meu primeiro livro de contos, O sol nas paredes, em 1980, por conta própria. Vendia o livro na rua, de mão em mão, como muitos autores da minha geração. De lá para cá, já se vão 25 anos. Lancei nove livros, ganhei alguns prêmios importantes, fiquei de cabelos brancos, casei-me e, desde então, tenho dividido meu tempo entre o jornalismo, a literatura, minha casa e, ultimamente, com uma pequena fazenda que comprei na minha terra natal. Lá, na pequena Coluna, crio um pouco de gado e também planto milho. Quanto ao O vestido, ele foi escrito a pedido do cineasta Paulo Thiago, para servir de argumento ao seu último filme. Tanto o filme quanto essa recente tradução italiana — que aconteceu por iniciativa dos meus editores Luis Fernando Emediato e Jiro Takahashi, da Geração Editorial — me deixaram muito feliz. Tanto que comecei a escrever um novo romance.
• O que mais chama a atenção da crítica italiana no seu romance?
Nas resenhas e críticas às quais tive acesso através da internet, tenho visto que o livro tem agradado bastante. Assim, não posso deixar de elogiar a minha tradutora, Mariagrazia Russo, por seu empenho e delicadeza. Não foram poucas as vezes em que trocamos e-mails, em que dei a ela novas informações, em que esclareci algumas de suas dúvidas. Ela até elaborou um glossário, para facilitar a vida dos leitores italianos. Também Diogo Madre Deus, editor da Cavallo de Ferro, esmerou-se em criar um projeto gráfico bonito, que chamasse a atenção e despertasse o desejo da leitura. Quanto às críticas, uma, em especial, achei engraçada, pela natureza das informações que os europeus ainda têm sobre o nosso país. Dizia mais ou menos assim: “O vestido é uma emocionante e envolvente história de amor, passada no Vale do Jequitinhonha, exótico e selvagem interior brasileiro…”.
• Você vive em Belo Horizonte — distante de São Paulo e do Rio de Janeiro. Como é a vida de um escritor fora desse eixo que nem sempre prima pela cordialidade dentro da literatura ?
Não sinto a coisa com tanto radicalismo.Tenho muitos amigos, escritores ou não, nas duas cidades. É em São Paulo e no Rio que tenho publicado os meus livros, pelas editoras Atual, Geração e Record; e foi em São Paulo que ganhei o prêmio mais importante da minha carreira literária até hoje, a Quinta Bienal Nestlé de Literatura Brasileira de 1990, com Sombras de julho. Depois, ele foi filmado por Marco Altberg, que é um cineasta carioca. Portando, vamos deixar as coisas irem rolando.
• Que receptividade teve seu romance ao ser lançado no Brasil em 2004? Ficou além ou aquém de sua expectativa?
Saíram poucas resenhas nos jornais. Mas os críticos falaram bem do meu livro. E elogiaram meu atrevimento ao criar uma história baseada em um poema de Drummond. Quando o filme foi lançado, aí sim, tive uma grande mídia, que veio a reboque. Também trabalho em um grande jornal, o Estado de Minas, onde recebemos dezenas de lançamentos. Nunca vi um país para lançar tanto livro como o nosso. Portanto, sei que não é fácil conseguir uma resenha ou mesmo uma nota, principalmente para escritores que estão fora do “eixo”. Quando isso acontece, a alegria é muito grande. É mais ou menos como se ter um bilhete premiado na Mineira, ou na Federal. Não é fácil.
• Você gostou do filme de Paulo Thiago?
Gostei muito. Paulo Thiago é mineiro, de Aimorés. Drummond é de Itabira, e eu sou de Coluna. Portanto, somos todos das mesmas águas. As três cidades estão no Vale do Rio Doce, que antigamente tinha a triste fama de ser a região mais violenta de Minas. Foi por lá que passei minha infância, até chegar aqui em Belo Horizonte, de caminhão, em 1969, após três dias de viagem. Não participei das filmagens de O vestido. Normalmente, elas são muito chatas, demoradas, e nem dei palpites no roteiro, feito pelo Paulo Thiago e pelo Haroldo Marinho Barbosa. Apenas escrevi o argumento, e o resultado final me agradou muito. Paulo Thiago é gato mestre, e as atrizes Gabriela Duarte e Ana Beatriz Nogueira estão maravilhosas — além de lindas.
• Você tem nove livros publicados, participa de várias antologias, recebeu os mais importantes prêmios literários deste país. Dentro dessa obra já extensa, o que significa O vestido?
Foi o primeiro trabalho que fiz sob encomenda. A princípio fiquei inseguro, nem queria publicá-lo. Foi Paulo Thiago quem me incentivou. Emediato também foi maravilhoso. Nem quis ler o texto antes. Quando telefonei para ele, foi logo dizendo: “Pode mandar o livro, Herculano, vamos lançá-lo na Bienal”. O que realmente aconteceu. Lancei o livro em São Paulo, na Bienal de 2004, quando participei de uma mesa redonda ao lado de Gabriela Duarte e da escritora Letícia Wierzchowski.