Agressivo, mas elegante

Em Contra o consenso, Reinaldo Azevedo reúne ensaios e resenhas publicados nas revistas Bravo! e Primeira Leitura
Reinaldo Azevedo, autor de “Contra o consenso”
01/05/2005

Quando o Freddy pediu meu endereço para correspondência, perguntei se ele viria me visitar. Acho que ele não gostou da brincadeira, porque não respondeu. A verdade é que eu sabia que ele me enviaria um livro e que este livro era Contra o consenso, de Reinaldo Azevedo, cujo lançamento já estava sendo alardeado. Por um motivo que desconheço, alguns editores ainda me mandam livros. É bom, mas muitas vezes é triste.

Recebi o envelope junto com outras correspondências. Abri e deixei o livro em cima da mesa. Há muito tempo eu perdi o interesse por qualquer tipo de lançamento literário. Fiquei de mandar um e-mail para o Freddy agradecendo, mas não o fiz. Às vezes, sou mesmo uma lástima. E protocolos, definitivamente, não são o meu forte.

Calhou de eu pegar o livro. Há muito tempo eu não leio nada. Estou naquela entressafra que me é costumeira, cheia de culpas pela preguiça intelectual. Na minha cabeceira repousam um Shakespeare (Henrique IV), Harold Bloom (Presságios do milênio), livros policiais (Ed McBain) e uma biografia de Stálin pela metade. No último mês, porém, os livros têm servido apenas como apoios para copos. Com já disse, ando triste. E não, ninguém tem nada com isso.

Enquanto fazia hora para ver um filme no DVD, peguei o livro de Reinaldo Azevedo. E um milagre aconteceu. Eu não sei se meus leitores acreditam em milagres. Para falar a verdade, nem sei se eu acredito neles. Mas que algo de extraordinário aconteceu é certo. O livro de Reinaldo Azevedo me deu vida.

Contra o consenso, vocês sabem, é uma reunião de artigos, ensaios, resenhas (chamem como quiser) escritos para as revistas Bravo! e Primeira Leitura. Não sou leitor da primeira e fui leitor da segunda, quando ainda se chamava República. Mas não conhecia Reinaldo Azevedo, talvez porque, naquela época, vivesse às turras com meu próprio nome — e só com ele. Uma burrice, concordo. Estou até agora me chicoteando por não ter conhecido Reinaldo Azevedo antes. Ah, tantos equívocos teriam sido evitados!

Azevedo fala de literatura, cinema e política. Seu texto é agressivo, mas muito elegante. Ele é combativo, mas não se mancha no sangue alheio. Fala com propriedade e convence o leitor de um modo que eu só vi Paulo Francis convencer. Sobre o livro, dou um veredicto que me é muito caro: Azevedo é a melhor coisa que li, em jornalismo, desde a morte de Paulo Francis. O melhor — e mais sensacional — é que Azevedo não padece do mal de querer imitar Francis. Não chega nem perto disso. É outra coisa. E é tão bom quanto.

O que aconteceu nesta noite somente o céu explica. Eu, velho e cansado aos 27 anos, extremamente entediado com a vida literária, com os rumos da cultura brasileira (pode não parecer, mas este tipo de coisa me preocupa, sim), tive ganas de ler novamente. E de escrever. Você é capaz de perceber a grandeza disso? O exagero é minha marca, por isso não convém me envergonhar do que se segue: eu ressuscitei de uma morte em vida com a leitura de Azevedo. Tirei as faixas da múmia precoce que eu era, respirei com desejo o ar da madrugada. Se isso soa piegas, paciência. É o que é.

Livros são mesmo objetos especiais. Dentro deles a gente encontra, às vezes, beleza. Mas também podemos encontrar a maldade. Não é o caso, felizmente. O livro de Azevedo me deu vida. E uma amizade silenciosa, como a que nutro agora pelo autor. Não foi à toa que vim correndo para o computador dar este testemunho. Fui acometido por uma ânsia de saber que havia muito eu não experimentava. E foi só um livro. Só?

Nos textos contidos em Contra o consenso encontrei, claro, a exuberância do pensamento do autor. A idiossincrasia. O apreço pelo diálogo. E também o apego às convicções construídas ao longo da vida. Mas também encontrei a mim mesmo numa forma muito inocente, mas não mais pueril. Como um homem que vê o mundo com a empolgação de um menino, mas não deixa de ser homem. Mas não deixa de ser homem.

E, antes que eu me esqueça, obrigado, Freddy. Muito. E venha me visitar, por favor.

Contra o consenso
Reinaldo Azevedo
Barracuda
254 págs.
Paulo Polzonoff Jr.
Rascunho