Afinal, o que é ser erótico?

Há uma linha tênue que separa o erotismo da pornografia. E o erótico tem diversas nuanças, por sua vez
01/08/2001

Há uma linha tênue que separa o erotismo da pornografia. E o erótico tem diversas nuanças, por sua vez. Sem contar que há uma diferença entre o olhar erótico masculino e o feminino. Dito isso, não tenho razões para ter vergonha de dizer que não captei a mensagem que Olga Savary quis passar com sua última obra O olhar dourado do abismo – contos de paixão e espanto (Bertrand Brasil e Fundação Biblioteca Nacional, 160 págs.).

Explico-me. Sou um leitor de livros e de orelhas, e começo sempre pelas últimas (um fetiche, talvez?). Ao ler a orelha de Um olhar…, imaginei encontrar uma obra transgressiva, que desse novos patamares ao que se chama de erótico, ou pelo menos trouxesse um olhar diferente sobre algo que hoje em dia anda tão vulgarizado. Fiquei ansioso, e à medida que lia o livro, apreensivo. Cada um dos 19 contos é dedicado a um casal, geralmente, e todos, sem exceção, famosos, insignes membros das altas artes brasileiras. O motivo da apreensão é não entendia o que lia. E não é para menos. Veja o que diz Italo Moriconi, autor da orelha: “A obra de Olga é arte erótica, que alça seu vôo tendo por plataforma a animalidade telúrica (?) do puro tesão”, seja lá o que for isso.

Mas eu não vi erotismo no livro. Vi, sim, cenas de paixão desregrada, como só pode ser uma paixão. Talvez eu esteja misturando erotismo a pornografia (é uma confusão comum para os homens, as mulheres são bem mais sutis nesta distinção, e a fazem com eficácia), e, por isso, não tenha entendido o livro. Talvez também seja o fato de Olga ser mais poeta que outra coisa, e seus contos, apesar da prosa, remetem muito mais a poesias sobre o amor ou seu substituto carnal, que muitas vezes tendemos a achar que é mais importante que o sentimento, o sexo.

Pelo que entendi (confesso que foi pouco), a procura de Olga em seus 19 contos é pôr para fora os sentimentos que envolvem os desejos carnais. Para muitas pessoas, o instante do gozo é o único que vale a pena nesta vida. Mas cada um tem a sua visão de como deve ser este momento. O prazer descrito por Olga pode aparecer onde menos se espera. No conto que dá título ao livro, O olhar dourado do abismo, o olhar apaixonado, não é de um outro ser humano, mas de um animal. E não um daqueles que geralmente associamos às paixões, como leões, ursos, ou bichos comuns, mas de um bode.

Em Camanau — do tupi caça, mas também um jogo de palavras cama e nau (jogo meio pobre) — a protagonista, uma mulher madura, de três amores anteriores, relata ao último os porquês de sua decepção, e sua nova paixão. Ela, beirando os 40 anos, apaixona-se por um mestre sala da Mangueira, Waldomiro Braga de nome, e 13 anos de idade, apenas. E ela não quer saber da diferença de idade. Ela está apaixonada, e diz com toda a paciência que só os apaixonados podem esperar dois anos até poder pelo menos pensar em concretizar o seu amor, o seu desejo.

Paira no ar, no texto de Olga, a sentença de que o desejo é mais forte que o amor, e que ao mesmo tempo em que ele se realiza, ele deixa de ser realizado. Isto porque não existe complementação. As pessoas têm relações parciais, incompletas. Quando um dos parceiros está saciado, o outro não está. Ou então não corresponde. Sente-se que todos buscam algo, mas nunca chegam a alcançá-lo. Não se sabe bem o que é esse algo, é mais que o prazer sexual, é mais que o amor, mas a autora não diz, nem revela o que é. Talvez como uma indicação de que cada um deve buscar, por si próprio, as respostas a estas perguntas tão íntimas e pessoais.

A linguagem de Olga não dá muito espaço para conclusões fáceis. Em cada parágrafo, há a sensação de que devemos voltar algumas linhas para trás, para poder melhor deglutir o sentido do que ela nos quer dizer. Afinal, o escritor desfila uma série de pensamentos que quer dividir com seu leitor. No entanto, a autora usa em profusão a linguagem poética, confundindo um pouco o entendimento (ou contribuindo para uma pluralidade de respostas à sua pergunta) de quem aborda sua obra. Bom, talvez seja isso que ela procurou fazer. Se a intenção era confundir e polemizar, sucesso na primeira missão, fracasso parcial na segunda.

Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho