Fiz uma descoberta. Nós temos, aqui em São Paulo, a nossa Adília Lopes. Sabe quem é ela, Adília Lopes? É uma poeta portuguesa, agora lançada no Brasil. Sabe, não sabe? Saiu uma recente reunião de poemas pela Cosac & Naify e a 7Letras.
Conheci Adília bem antes. Em 98, 99. Conheci pelas mãos de um amigo português que veio ao Brasil, o poeta Valter Hugo Mãe. Ele me deu poemas dela, deu uma fita com uma entrevista feita por ele com a Adília. “Escrevo para arranjar marido”, ela diz na fita. E recita: “Maria Cristina espera por Guilherme mesmo quando não tem nenhum encontro marcado com ele”; “A minha gata morreu. Agora já me posso suicidar”; “Podia ser muito feliz se não fosse muito infeliz”.
Parece miniprosa, não é? Pois é. É aí que explico minha descoberta. Ou seja, vou revelar, agora, a identidade dessa Adília Lopes brasileira. Ela se chama Ivana Arruda Leite. Arruda Leite e Adília Lopes. AL e AL, sacou? As iniciais provas do meu argumento.
Arruda Leite escreveu o livro de contos Falo de mulher, lançado em maio deste ano. E não é de agora que notei isso nela. “Você é a nossa Adília, querida”. Faz prosa que parece poesia. E tem uma alma demolidora. Uma melancolia de talher. Solidão de panela. Quebra-pau conjugal et cetera e tal.
Quem ama Adília vai detestar Ivana, vai dizer que eu forcei. E quem ama Ivana? Adília amaria Ivana. Adoraria que um dia as duas se encontrassem e fizessem sabão. Esponja. Lavassem prato juntas. Cueca e calcinha. Trepassem misturando as línguas.
Uma gozasse e esperasse que a outra gozasse.
Podem rir, mas é verdade. Descobri essa nossa Adília o ano passado. Ivana chegou trazida por uma amiga gostosa que eu tenho, de 22 anos e quase dois metros. Bia, a minha amiga, disse: “Quero te apresentar uma escritora”. Na minha cabecinha, chegaria em casa uma moça igualmente gostosa. Escrevedora de algum blog, sei lá. Aranha tatuada na xoxota.
Veio Ivana, ripona, 51 anos. Cara sofrida, chupada, aérea. Pensei logo: “Literatura anos 70” ou “Memórias de um baseado” ou “Viva a Igreja Católica!”. Não. A literatura da Ivana me descabelou. Li o seu primeiro livro Histórias da mulher do fim do século (editora Hacker), publicado em 1997 — a edição é meio feiosa, mas o texto é poderoso. Ivana, nos seus contos, carrega cinismo, vingança, voz furiosa. Mulheres em seu lares nada doces, com seus maridos azedos. Se o amor existe entre eles, é piedade. Ódio corriqueiro. Guardado. Tudo contado com humor amarelado. Pálido. Mulheres à beira de um ataque, prontas a pular no pescoço, nos cabelos, no pinto empanado do companheiro.
“Pegue o homem que te maltrata, estenda-o sobre a tábua de bife e comece a sová-lo pelas costas”. É assim que começa o Falo, que acabei indicando para publicação. Adília, a portuguesa, também se enfurece. Sofre. Adília seria uma das mulheres de Ivana. Ivana seria, igualmente, uma das crias de Adília. Elas se misturariam na realidade e fora dela. Estariam juntas até a morte.
“Sou uma puta seletiva. Escolho muito bem os homens que como. Se um deles pára o carro e pergunta sobre camisinha, vou logo dispensando e mandando o sujeito pastar. — Comigo, só se for com o pé na morte, cara. Camisinha nem pensar”.
Põe um sotaque português nessa prosa que fica a mesma poesia. Bigode é bigode em toda parte, não é? Sei que vão dizer que troquei o pé, que não tem nada a ver AL com AL, deixa disso!
Na verdade, confesso. Misturei essas duas mulheres porque, no fundo, duvido que exista uma infeliz, hoje, pelo menos no Brasil, na idade da Ivana, escrevendo desse jeito. Quer seja para soltar os cachorros e os tédios do peito.
Quer seja para arranjar a porra de um marido.