Acesso negado

Resenha do livro "Polivox", de Rodrigo Garcia Lopes
Rodrigo Garcia Lopes, autor de “Estúdio realidade”
01/08/2002

A poesia contaminada de transgressões, fluxo de consciência, dispensando cortes ou edição, é uma das facetas de Polivox, do poeta e tradutor paranaense Rodrigo Garcia Lopes. O lançamento arrola dívidas e presta tributos a todas as influências e referências do autor: à escrita automática e espontânea dos beats americanos Jack Kerouac e William Burroughs, ao simbolismo francês de Rimbaud, à Language Poetry, à música silenciosa de John Cage, ao humor de Leminski, entre outros. São vários livros enfeixados num único volume. Dificilmente o leitor não se encontrará em alguma das seções. Representa, segundo expressão do autor, a “caixa preta” de sua trajetória poética, com o itinerário do vôo e o segredo do desastre.

Polifonia demarca o título, favorecendo uma prosa híbrida, aberta ao multiculturalismo. É um experimento investigativo da linguagem, assumindo a vida como a mais agressiva das artes. Ocorre a freqüente mudança de tom, desenvolvendo códigos, estilos e escolas — dos haicais, passando pela poesia medieval e desaguando no barroco. O poema se assemelha a um bazar de idéias, um objeto inconcluso, instável. A página tem as oscilações de um gráfico cardíaco. O discurso rumina exagerado, redundante, repetindo como forma de se autenticar. Os hipertextos captam os ruídos em tempo real. A linguagem é sempre interrompida, cindida por demandas externas e distrações.

Qualquer tema pode ser aproveitado pela poesia — essa é a tese, o desafio proposto. “Cada memória esgota-se ao mesmo tempo em que ocorre.” Lopes se enraíza na percepção, instaurando um épico da fala contemporânea. As vozes, as simulações e os períodos históricos se revezam e se anulam. Quem escreve é o poema, não o poeta. “Isto,/eu/ não sou o poeta/ — sou o poema sendo escrito.” Seguindo o ritual de um transe, de uma celebração mediúnica, a sensibilidade se concentra em converter o prosaico em lírico. O andamento auditivo está mais sintonizado na reprodução oral (incorporando citações, trocadilhos e máximas) do que na invenção. “Será a poesia a arte da escuta?”

Curiosamente o escritor fica à vontade no momento em que não defende uma causa, tornando-se somente seiva despretensiosa: “hoje dei de cara com uma pessoa/ na mesma casa/ em que nós/ anos atrás// nem sei/ ninguém falou/ esquecemos os nomes um do outro/ e nos afastamos/ em silêncio// perfeitos estranhos novamente”. Na maior parte do percurso, assume explicitamente uma posição teórica, forçando um ensaio onde era criação e querendo provar a validade de sua estética. Característica que acentua o caráter programático de intervenção, distanciando-se da fluência do cotidiano. Quando insiste em ser natural, sacrifica a naturalidade. De tanto reconstituir antepassados, deixa pouco espaço para a dicção do próprio Rodrigo Garcia Lopes.

Polivox
Rodrigo Garcia Lopes
Azougue Editorial
151 págs.
Fabrício Carpinejar

É jornalista e poeta. Autor de caixa de sapatos, entre outros.

Rascunho