Ícone literário dos anos 60, o escritor paulista José Agrippino de Paula, 64 anos, acaba de ter seu fascinante e desafiador romance Panamérica publicado pela nova Editora Papagaio, após mais de 30 anos de sua primeira edição.
José Agrippino de Paula (que também é autor de Lugar Público) construiu com Panamérica um romance fragmentário, cuja narrativa se passa na primeira pessoa. Os capítulos se sucedem como numa seqüência cinematográfica, o que é sintomático, porque toda história se inicia num set de filmagem e os personagens são autores hollywoodianos que protagonizam uma odisséia desconstrutivista que culmina com o desmonte do grande império.
Pelas páginas de Panamérica, vamos encontrar, nas situações mais inusitadas e bizarras, Marilyn Monroe, Burt Lancaster, Elisabeth Taylor, Joe di Maggio, John Wayne, Frank Sinatra, Harpo Marx, Churchill, Kennedy e outros. Eles formam o grande pano de fundo de uma trama onírica, que se passa nos turbulentos anos 60, instaurando uma crítica metaforicamente corrosiva ao status quo, batendo forte na sociedade de consumo, na política invasiva dos EUA, no predomínio da tecnologia sob o sentimento e na dominação hegemônica do capitalismo, com seus totens e suas cooptações.
Há neste livro um clima de inspiração psicodélica. Em Panamérica, a linguagem beira o realismo fantástico, os fatos se encadeiam (ou desencadeiam) numa perspectiva caótica, como na tentativa de traçar uma alegoria carnavalizante e quixotesca da sociedade da época. Era o tempo em que vigorava a guerra fria: a luta contra a “subversão” e a paranóia anti-comunista dominavam a cena política; a liberação de costumes, a revolução sexual, a droga e o rock’n roll determinavam um crescente escalonamento de valores e a cultura de massa impunha sua opressão.
Na esteira dos movimentos de protesto político e social outras vanguardas se anunciavam e a reboque dessa época de rupturas e quebra de tabus, surgia a pop art, caudatária da estética moderna de Andy Warhol, papa e guru de muitos artistas e intelectuais. Sob esse influxo, Panamérica, propunha uma leitura crítica e satírica de um mundo conturbado, tentando juntar os cacos de uma humanidade que fundia transgressão e alienação, mas buscava uma nova identidade.
A obra de José Agrippino de Paula pode ser lida sem nenhum susto ou estupefação, e até com certa nostalgia, porque sua mensagem é intemporal, na linha de um olhar glauberiano sobre um mundo que já antecipava o atual. Agora, é a globalização que acabou por instaurar um outro caos, e por isso vivemos uma nova epopéia, cibernética e consumista, que nos faz reagir, pela arte ou apesar dela, contra o espírito disseminado pelo Consenso de Washington, mascarando com novos conceitos a velha dominação econômica e cultural, com suas ditaduras estéticas e seu pós-tudo-ou-nada.
Panamérica influenciou a Tropicália, tanto que no prefácio à nova edição, Caetano Veloso assina um candente depoimento sobre a importância da obra e do autor. Para ele, Panamérica é uma Ilíada contemporânea na voz de Max Cavalera.
José Agrippino de Paula foi um fenômeno literário, mas apesar do impacto causado por Panamérica em 1967, a obra não freqüentou a lista dos best sellers, nem o autor foi bafejado pela grande mídia ou cortejado por grandes editoras. A exemplo de outros importantes escritores que estouraram em certo momento e marcaram época (como Campos de Carvalho, Rosário Fusco, Raduan Nassar e Maura Lopes Cançado), Agrippino, também preferiu o auto-exílio. Há mais de duas décadas, mora modestamente, quase anônimo, em Embu, cidade periférica da Grande São Paulo. Sem televisão, distanciado da realidade, desconectado com o mundo, sem o incenso da crítica, numa postura quase ascética, sem maiores interesses ou angústias, JAP parece, como seus personagens, atingido pela modernidade, condenado a viver à margem das reviravoltas humanas, que acabam por decretar-nos a solidão, o alheamento e a passividade.