Consolação é um romance leve, embora trate da questão da eutanásia e da cidade de São Paulo, violenta e irrespirável.
Narrativa fluida, em primeira pessoa. A narradora é uma brasileira casada com um francês. Ela fica viúva, volta para o Brasil para visitar a família e deixa o filho na França, mas fala com ele por celular. Seu primeiro destino é o cemitério da Consolação, onde pretende visitar o túmulo do pai.
No percurso, antes e depois de sair do cemitério, observa e se choca com a São Paulo caótica, mas também percebe valores anônimos diluídos na multidão. No cemitério, busca as raízes de nossa história e cultura. Há um saudosismo em relação àqueles que marcaram a história da literatura brasileira, entre os quais, Mário e Oswald de Andrade.
A intensa intertextualidade com o pensamento e as obras desses autores é uma demonstração de que a força desses artistas ainda age sobre nós, hoje envolvidos em tramas dominadas pelo individualismo exacerbado, pelas práticas mercenárias que esmagam a arte. Como bem coloca Almandrade:
O público consome qualquer coisa. Na condição contemporânea de articulação social, a arte foi reduzida a acessório, como mostra mais esta Bienal, de aproximação das pessoas com a cidade. Uma cidade da especulação imobiliária e da economia do metro quadrado, com uma arquitetura sem poesia, esvaziada de sentido, ameaçada por todos os tipos de violências e medos. Medo até de consumir o que não está na moda. Uma cidade destituída de valores, deserta e entulhada de imagens/stories.
Mas o texto de Betty Milan não toca em tais questões; ocupa-se em evocar o que afeta de imediato: a violência urbana, a miséria, o subproduto humano, além, claro, de reverenciar os modernistas. E o faz com elegância. Busca nas ruas a verdade brasileira, inclusive a beleza:
Rua central. Entre os eucaliptos uma quaresmeira. Depois do roxo tropical, o ocre de uma capela redonda. “Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.” Manifesto pau-brasil. O autor está enterrado aqui… Oswald. Mas onde? Mário de Andrade também está… Nunca vi os túmulos. Será que alguém visita? O Cemitério da Consolação não é o Père Lachaise…
Filosofia, psicologia, imagens, são elementos que compõem o romance Consolação, embora não haja mergulho profundo nas questões humanas, ainda que a morte figure em posição privilegiada no texto.
Isso se dá porque o drama da narradora soa artificial. Ela não consegue nos absorver com seus devaneios, teses, conclusões. Inclusive, a relação que ela tem com o filho é muito inconsistente do ponto de vista afetivo, ainda que ela afirme o contrário.
O romance apenas contorna prováveis dramas, mas não os potencializa. A viúva errante parece não sentir o sofrimento que relata. Isso gera um vazio entre a superficialidade das palavras e o fundo que as alimenta. Uma distorção entre planos vitais que estruturam uma obra artística.
No posfácio, Michèle Sarde afirma: “Se é que os textos biculturais existem, como os bilíngües, Consolação é um desses textos. Porque se trata de uma lamentação em duas culturas, a francesa e a brasileira”.
Não há texto para essa conclusão. A simples citação de um casamento entre duas pessoas de origens diferentes e a existência de um filho não garantem a retratação do tema.
Frases de efeito traçando possibilidades existenciais não são suficientes para refletir a complexidade das interações culturais, principalmente quando se tratar de relações afetivas profundas.
O leitor ficará com a impressão de que a busca da narradora não passa de uma curta e voluptuosa viagem pelos temas instigantes que afloram no processo de criação.
É inegável, porém, o esforço e a coragem da autora em trafegar por tempos e cenários, verdadeiros arquétipos das artes brasileiras, sem perder a elegância e o desejo estético.