A turma do chiqueiro

Em “Treze contos diabólicos e um angélico”, Frei Betto posa de anti-Sartre
Frei Betto, autor de “Treze contos diabólicos e um angélico”
01/06/2005

Apesar de Frei Betto deixar claro que seu novo livro, Treze contos diabólicos e um angélico, não carrega qualquer influência de sua passagem pelo governo Lula, é irresistível não relacionar os fatos, criando, aqui e ali, uma ou outra analogia inocente. Afinal, a leitura dessa obra leve, quase fabular, pode muito bem nos despertar a vontade de, a exemplo de seu autor, recorrer a citações que evoquem o demiurgo do mal. Para fins ilustrativos, apenas. Nada nos custa lembrar de William Blake, que, no aforístico A voz do demônio, ao comentar o Paraíso perdido, nota que Milton, em grilhões, escreveu sobre Deus e seus anjos, e, em liberdade, sobre o inferno e seus batalhões de decaídos. Impossível não supor que Frei Betto — assessor especial do presidente e coordenador do Fome Zero até o ano passado — tenha se sentido aliviado após abandonar suas funções palacianas. Quanto a Milton — que Blake chamava de “poeta alinhado com o demônio” —, podemos encontrá-lo no conto O excluído, de Frei Betto, bem emoldurado nas paredes do orco.

Treze contos diabólicos… é o 52.º livro do dominicano. Trata-se de uma coleção de textos curtos, de consumo rápido, escritos em linguagem bastante direta e, em geral, bem-humorada. Logo de início, percebe-se que o autor, católico que é, estabeleceu, com os diabos que identifica e retrata em seus textos, uma relação em que se alternam sentimentos de simpatia, respeito e repugnância. Frei Betto reconhece a importância dos demônios como símbolos de perdição, de frustração de desejos e de estagnação espiritual e intelectual. Mas, por muitas vezes, prende-se a expedientes moralizadores que, ingênuos, ficam muito aquém do que se espera de escritor tão experiente. É o que acontece em contos como O retorno — em que um capeta diz que o homem já inventou horrores piores que os do inferno, como “a degradação do meio ambiente, a energia nuclear e a competitividade como condição de prosperidade”; O telespectador — que demoniza a televisão e a publicidade ao promovê-las a castigo eterno; e o já citado O excluído — que livra um pilantra do fogo infernal porque ele nunca “cercou terras para excluir famílias, nem dirigiu organismos internacionais que promovem a desigualdade social”.

Há, no entanto, momentos melhores. Em especial, aqueles em que Frei Betto experimenta recursos anedóticos mais populares. Em O chefe, o autor brinca com o entreguismo de alguns funcionários públicos apáticos, incapazes, por pura covardia, de contrariar seus “superiores”. Para esses, não haveria chance de redenção. Outro acerto de Frei Betto é O pacto. O conto explica por que a carolice, aparentemente imaculada, não garante a ninguém um lugar no céu.

Mas é bem mais vasto o catálogo de pecados coligidos por Frei Betto. A vaidade literária é espinafrada em O congresso; a soberba burocrática é o tema de O carimbador; o narcisismo exacerbado surge em O cão de Andaluz e Egg. Já em O hóspede, o autor se opõe à máxima sartriana que prega serem os outros o nosso inferno. Para o religioso, eventuais infernos residiriam em nós mesmos, já que o demônio nada mais seria do que o reflexo de nossa própria alma.

Treze contos diabólicos e um angélico
Frei Betto
Planeta
136 págs.
Luís Henrique Pellanda

Nasceu em Curitiba (PR), em 1973. É escritor e jornalista, autor de diversos livros de contos e crônicas, como O macaco ornamental, Nós passaremos em branco, Asa de sereia, Detetive à deriva, A fada sem cabeça, Calma, estamos perdidos e Na barriga do lobo.

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