A trilha da cultura

Resenha do livro "Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras", de Ubiratan Machado
Ubiratan Machado, autor de “Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras”
01/12/2010

Pensar numa historiografia das livrarias brasileiras é repercorrer também os passos trilhados pela cultura do país. Como se sabe, em 1900 o mercado editorial local não era bem desenvolvido. Um cenário que já começa a mudar na segunda década do século 20, com a vinda de filiais de editoras européias, como a Garnier, e com a iniciativa de alguns imigrantes que decidem apostar nesse ramo, como o alemão Eduardo Laemmert e o português Francisco Alves.

É na verdade essa dobra da história cultural que o livro de Ubiratan Machado procura dar conta, mesmo tendo consciência da complexidade do tema. É, talvez, por isso que o livro tenha como título Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras.

Pequeno? Um desejo ambicioso de escrever e divulgar essa história, mas que se bate com a problemática da impossibilidade da sua totalidade, já que para atingir o objetivo seria preciso uma grande equipe de pesquisadores, sem contar com as lacunas nas informações que se perderam ao longo do tempo, como é o exemplo da Livraria do Povo, em São Paulo, cuja existência foi até a década de 1970, e, em alguns casos, o embate com algumas livrarias que não quiseram colaborar. “Quando as pesquisas recuam para os séculos 17, 18 e inícios do 19, surgem outros tipos de dificuldades. Não mais pessoas que se recusam a dar informações, mas a mudez das fontes escritas (…) Assim sabemos que no século 17 (e até mesmo no 16) já circulavam livros nas principais cidades, mas é quase certo a inexistência de pontos de venda. Tais obras vinham de Portugal trazidas pelos colonos, por encomenda de marinheiros de navios estrangeiros, como ainda era comum no início do século 19”, ele afirma.

Pequeno, mas grandioso na proposta. O resultado é um verdadeiro mosaico das mais importantes livrarias brasileiras, com suas histórias e estórias, tradições e dificuldades, que existiram em todo o território nacional. No total são cem aquelas selecionadas e não se restringem a uma ou outra região; na verdade, Ubiratan Machado não quis privilegiar somente as grandes casas, que com certeza estariam localizadas no sudeste e no eixo Rio-São Paulo. Se há uma “delimitação” geográfica que dá conta do mapeamento, há outra não menos importante que é aquela temporal. As casas pesquisadas vão desde o século 18 até o 20, cuja segunda metade apresenta uma inovação e transformação na concepção de livrarias com cafés, sofás e produtos que promovem uma interação maior com o leitor.

Um guia sem querer, no entanto, adentrar nos assuntos de cunho mais histórico que estão assinalados nos verbetes descritivos das livrarias. Uma questão apontada que deve ser levada em consideração é a relação dessas livrarias com o poder político. A livraria de Evaristo da Veiga, no Rio de Janeiro, no século 19, por um longo período viveu sob ameaça, “culminando com um atentado ao livreiro”. A relação com o poder é normalmente caracterizada pelas ações de adesão e repulsa.

Os livreiros estrangeiros tenderam sempre a uma aproximação com o poder político, como os Laemmert que agiam no intuito de agradar o Imperador. A esse respeito há um exemplo da história contundente:

Um dos casos mais interessantes se deu na inauguração da estátua eqüestre de D. Pedro I, na atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, em 1806. A homenagem de D. Pedro II ao pai foi recebida com desagrado por correntes nacionalistas, que reivindicavam a homenagem a Tiradentes. Houve muitos poemas publicados na imprensa pró e contra a atitude imperial (…). Mas o que interessa é a atitude política de livreiros como Laemmert, Paula Brito e outros distribuindo avulsos a favor da homenagem imperial.

De qualquer forma, com adesão ou sem, um ponto é certo: o papel desses livreiros estrangeiros foi fundamental para a consolidação do comércio e para a circulação do livro no Brasil. De fato, as livrarias mais importantes até a primeira metade do século 20 pertenceram a portugueses, franceses e alemães.

Do Colégio dos Jesuítas no morro do Castelo, no Rio de Janeiro, como um marco do início da comercialização livreira no país, entre os séculos 17 e 18, faz-se uma viagem pelo Brasil: Manuel Ribeiro dos Santos, em Ouro Preto; Silva Serva, em Salvador; Cardoso Aires, Econômica e Française, em Recife; Ao Livro Verde, em Campos; Universal, em São Luís; Correio Paulistano, Garraux, Teixeira e Saraiva, em São Paulo; Americana, em Pelotas; Genoud, em Campinas; Universal Tavares Cardoso, em Belém; Livraria do Globo, em Porto Alegre; Oliveira Costa, em Belo Horizonte. Essa viagem cultural termina com a experiência alfarrabista da carioca livraria Dantes, que mudou a idéia dos sebos sujos e empoeirados.

As informações dadas nesse Guia, com certeza complementam A etiqueta de livros no Brasil, do próprio autor, e integram os outros estudos que tocam nessa questão como os de Lawrence Halewell, O livro no Brasil: sua história, e o de Sergio Miceli, Intelectuais à brasileira.

Pequeno guia histórico das livrarias brasileiras
Ubiratan Machado
Ateliê
264 págs
Patricia Peterle

É professora de literatura na UFSC.

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