O ano é 1929, é verão, e Paul Schoner, um jovem e promissor poeta, parte de Oxford rumo a Hamburgo, naquele paraíso perdido que era a República de Weimar. Diferentemente da Inglaterra de Churchill, onde a repressão se fazia presente da vida privada à cultura, aquela Alemanha pós-Primeira Guerra era o terreno ideal para que vicejasse inspiração para um escritor iniciante, como também experiências cosmopolitas e libertárias.
Em O templo, Stephen Spender narra o périplo do personagem a partir das descobertas não só intelectuais, como físicas. Em descrições minuciosamente esculpidas, o autor potencializa a figura do corpo masculino, emulando-o ora com esculturas gregas, ora com pinturas expressionistas. Spender dá a este corpo (templo) que tanto deseja não só pulsão carnal, como também uma aura de sacralidade, desvinculando da luxúria a devoção pelos contornos e formas do homem.
Comungam neste templo todos os jovens que abstraem o conceito do pecado. Na República de Weimar, jovens ingleses homossexuais passavam férias irrigados por raios solares e água salgada, contemplando as paisagens, nadando, flanando, experimentando técnicas de escrita, pintura, fotografia, mas também frequentando a vida noturna das cidades.
O escritor Sérgio Augusto bem definiu Spender, em relação ao livro Diários de Sintra, que o autor publicou em vida: “[a reunião de correspondências com seus amigos W. H. Auden e Christopher Isherwood] deixou mais ou menos claro que a opção sexual de sua geração era menos um destino manifesto do que uma válvula de escape à misoginia alimentada pelo puritanismo britânico”. Em meados dos anos 1920, Oxford tinha seus dândis, bem como poetas para retratá-los. Vê-se isso nas obras de contemporâneos seus, como Auden e Isherwood.
Paul caiu de paixão pela Alemanha. Em sua primeira passagem pelo país em 1929, quando estava em Hamburgo, ele se hospeda na mansão do pernóstico e sentimental Ernest Stockman. Na mira dos olhos cerrados da mãe, Hanny, que logo percebe a persuasão do poeta sob seu filho, o clima pesa enquanto Ernest enaltece Paul, e mais: apresenta-o aos amigos Joachim e Willy — que Hanny não via com bons olhos.
A convivência do quarteto começa em um vernissage no estúdio de Joachim Lenz. Burguês herdeiro do comércio de café, ele é uma personificação do fotógrafo Herbert List, membro laureado da tradicional agência de fotografia Magnum. Influenciado pelo cinema neorrealista italiano e por fotógrafos como Man Ray, List, assim como Joachim Lenz, tirava fotos de homens nus, era um jovem abertamente homossexual, tendo se refugiado em Paris durante ascensão do nazismo.
Além da ficção
O protagonismo de Lenz ultrapassa a ficção. Da amizade com o autor de O templo, cuja viagem às margens do rio Reno inspirou a segunda passagem do romance, Rumo a escuridão, quando Lenz se apaixona por um querubim da Baviera e adiante Paul toma seu rumo para voltar à Alemanha três anos depois. Em 1932, a semente do nazismo já estava plantada e o otimismo de Ernest (que era judeu e classificava o estado nazista como uma distopia) se vê catapultado.
Nesta bem cuidada edição, fotografias de List fazem alusão a cenas imantadas por libido. Na República de Weimar de Spender, moços e moças tomam banho de piscina, sol, vivem seminus, se tocando, flertando, observando as curvas, os contornos, as formas, desejando homens e mulheres, quando não os dois de uma só vez.
É o caso de Paul Schoner, que depois de perder a virgindade com Ernest Stockman, vaga por uma praia deserta e topa com a jovem e bela Irmi. Os dois fazem amor e Paul, entorpecido pela libido, volta ao hotel com os seguintes versos do poeta Arthur Rimbaud na cabeça: “O vive lui!/ Chaque fois/ Que chante le coq gaulois!”. Paul é uma paixão não correspondida para Ernest, assim como outras tantas neste templo da carne. Eles continuam a excursão pelo Báltico.
Tendo escrito poemas, contos, ensaios, romances e também sido jornalista, editando revistas icônicas como Horizon (1939-1941) e Encounter (1953-1966), cuja versão brasileira foi batizada de Cadernos Brasileiros, Stephen Spender foi um escritor de múltiplas funções. Não só no labor, mas também no amor, ele foi amante de homens e mulheres, como o pintor Lucien Freud, a psicanalista Muriel Gardiner e a pianista Natasha Litvin, com quem teve dois filhos.
Em seu círculo íntimo, Stephen Spender manteve boas relações com Isherwood e Auden, seus companheiros de vida, bem como também Cyril Connolly (que também editou a revista Horizon), Louis MacNeice e T. S. Eliot.
Inicialmente rejeitado por seu editor Geoffrey Faber, por ser considerado pornográfico, O templo, escrito nos anos 1930, foi publicado pela primeira vez meio século depois. Na gaveta da Universidade do Texas, que comprou o manuscrito original de Spender, o livro foi reeditado pelo autor e saiu nos Estados Unidos em 1988.
Neste bildungsroman, Spender, que se filiou ao Partido Comunista e lutou contra a ditadura de Franco, não só critica o puritanismo inglês, como também alerta sobre a cegueira que contaminava os adeptos do nazismo. Em suas descrições, ele busca a verossimilhança (principalmente nos excertos dedicados à arte) trabalhando no texto como um escultor. De seu repertório, o escritor elenca uma série de referências, não só a jovens leitores, como aos mais experientes. Entretanto, já no final da vida, Spender estava deprimido. Não acreditava que sairia da nova geração de escritores da Inglaterra boa literatura. Certo ou errado, ele deixou um best-seller, reeditado no Brasil em ocasião de seu centenário (2019).