Até há bem pouco tempo, imaginava-se que a crônica, enquanto gênero híbrido entre jornalismo e literatura, era apenas o espaço ideal para a conversa mais ligeira, leve, onde, de fato, alguns autores buscavam a atenção dos leitores pela abordagem de temas mais sisudos com olhar mais disperso. Com efeito, alguns nomes de peso ajudaram a sedimentar esse gênero, como Nélson Rodrigues, Otto Lara Resende e, mais recentemente, Carlos Heitor Cony.
Hoje em dia, pululam nos jornais, revistas, sites e até nos blogs aprendizes de cronistas. O que eles fazem? A partir do exercício da mimese, tentam clonar um estilo mais na busca de sua própria voz e de seu séquito de leitores. O resultado, como se pode esperar, não é satisfatório, e, por vezes, o público acaba por levar joio em vez do trigo nesta seara de idéias que é a sociedade da informação.
Nem tudo está perdido, no entanto. No cenário de terra arrasada, eis que aparece o nome de João Pereira Coutinho, escritor português, cuja seleção de textos aparece agora editada em livro pela Record. Em Avenida Paulista, os leitores têm a oportunidade de acompanhar o que de mais significativo Coutinho publicou tanto no site da FolhaOnline como na coluna outrora quinzenal e agora semanal que mantém no caderno Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo.
E o que pode ser tão significativo tendo como origem a pena de um cronista português? A resposta, de pronto, é a seguinte: com um texto elegante, eivado de referências e bastante claro, Coutinho consegue navegar com fluência entre o erudito e o popular, sem necessariamente ter de fazer concessões ao primeiro ou ao segundo. Em outras palavras, o autor não trata seus leitores como imbecis a ponto de explicar com, como é mesmo?, didatismo quem é Isaiah Berlin (Ouriços e raposas). Talvez por isso seja absolutamente instigante ler suas menções a este filósofo e pensador. De forma semelhante, ao tratar de um assunto aparentemente banal como a conversa (Conversas), o cronista é capaz de debater em alto nível, elevando o tom da discussão.
Nesse aspecto, a linhagem de Coutinho não rende homenagem apenas aos mestres da crônica em língua portuguesa, como Nélson Rodrigues, mas, sim, aos clássicos ensaístas norte-americanos e ingleses, como os autores da célebre revista norte-americana The New Yorker. Assim, ao ser classificado por aqui como cronista, Coutinho ajuda a arejar o gênero, trazendo um estilo mais refinado e decididamente mais sofisticado.
Nem por isso, todavia, Coutinho deixa de lado certa veia polemista, algo bastante comum aos escritores de sua geração. Nesse aspecto, sua leitura de mundo atrai porque sabe provocar seus leitores, tirando-os da zona de conforto ora com riso, ora com ironia. Talvez por isso, Avenida Paulista seja o livro que ajuda a redefinir o papel da crônica e o lugar das idéias na atualidade, principalmente a forma como elas devem estar presentes no cotidiano das pessoas. Sem lugares-comuns. Com bastante reflexão.