A poesia hoje parece carecer de um suporte teórico que, além de explicá-la, a qualifique. A afinidade pessoal com certa dicção não deve ser o único norteador na análise artística. Os acadêmicos e estudiosos não conseguiram ou não quiseram acompanhar a literatura contemporânea, deixando a especulação por conta de escritores, o que desaguou num imenso hiato, representado pela carência de uma autêntica teoria literária atual. Verdade que avanços ocorreram, hoje não se considera a análise artística objeto puramente científico, mas também metafísico.
Com que então lida o crítico de poesia? Que material é este que vem sendo produzido, que difere tanto das tentativas de renovação conceitual e formal perpetradas após o movimento modernista de 22, como o poema-piada, a poesia concreta, o poema-processo, a poesia práxis, os versos semióticos? Há de fato algo novo sendo produzido no cenário da poesia contemporânea que mereça consideração? São questões ainda sem resposta.
Ao poeta, num campo em que a transgressão é quase uma exigência imposta pelos cânones da cultura, interessa o estudo das tendências já consagradas. Mas como reconhecer um transgressor? Quando é que essa infringência não passa de mera especulação? Há na poesia de Júlio Polidoro sinais desses questionamentos. Reunindo sua produção poética de 1979 a 2003 em um único volume intitulado Outro sol, Polidoro constrói versos enxutos, burilados. Nota-se a evolução do poeta de Treze poemas essenciais, o primeiro livro que integra a antologia até A superfície do abismo, o último.
Há o homem em conflito com seu ambiente, com sua situação, como no poema Anoitece: “Sazonado/ — que verdura é o dia? —/ cão bêbado/ abotoa os cílios/ do crepúsculo”, a jornada do tempo, “posso ouvir o realejo/ de memória”, “o futuro é essa história/ que não terei/ a quem contar” e desde o início a pequenez do poeta, sua inutilidade frente às urgências da vida, como no poema O símbolo: “o arquiteto/ não contou esse momento/ em que me sinto inexpressivo/ sem forças para clamar/ contra o vazio”. Que força tem a poesia em um mundo tão carente de sensibilidade, mais afeito ao mercado que ao lirismo ou ao pensamento?
É um grito pertinente e inquiridor que ecoa da poesia de Polidoro, como se constata nesses versos pungentes: “persigo da fala a plena expressão/ da sala nunca aberta o corredor/ que nos conduza ao Verbo sem autor/ e que traduza as coisas do porão”, um afronte à Palavra que tudo originou, a busca pela construção definitiva, sem ao menos saber se ela é possível.
Júlio Polidoro não se esquece do ritmo, tentando domar o verbo tanto quanto possível, como lembra Carlos Nejar, na orelha do livro, “domina todos os ritmos com a qualidade silenciosa de se deixar também guiar por eles”. É o escritor autêntico, o que conduz os versos, mas também é conduzido. O que retrata e é retratado.
Antes de tudo, Polidoro é um poeta completo, que sabe passear por diversos estilos e que encontrou sua própria voz, um ser humano que compreende a urgência da palavra. E também da vida.