Antônio Mariano observou, em recente entrevista, que “a referência da crítica é naturalmente o canônico”. Nem sempre. Principalmente porque vivemos um período em que os escritores e críticos se encontram órfãos de cânones. Atabalhoados, os julgamentos literários primam pelo tom caótico e bajulador, mas nada acrescentam a nenhuma discussão. Abandonados os modelos consagrados, a nova poética carece de critérios. Originalidade, precisão e métrica se dissimulam em versos pretensamente experimentais e excessivamente abstracionistas.
Como emitir opiniões decisivas sobre o livro Guarda-chuvas esquecidos, de Antônio Mariano? A solução para o resenhista é silenciar-se diante das obras de má qualidade e chamar a atenção do leitor para o que deve ser lido. Ao crítico, reserva-se o dever de elencar às regras correntes as alíneas de uma nova teoria.
Lançado pela recém-criada editora Lamparina, a antologia de Mariano está divida em cinco partes: Pretéritos, Dispersos, Desorientações e uma breve reunião das principais poesias de seus dois primeiros livros, agrupadas sob os títulos Primeiro resgate e Segundo resgate. As três primeiras partes são indiscutivelmente superiores aos dois resgates.
Com um vocabulário simples, Mariano tenta reconstruir o fazer poético por meio do espanto, do inusitado, da concisão e da já citada precisão. Aqui presente também o jogo de palavras como busca de um novo dizer, como nos trechos “O fel tinha/ outro feeling”, “Língua era lã-/ mina” e “Loucos/ lado alado”, em que o poeta privilegia a sonoridade dos versos, mas não abre mão do sentido e da metáfora.
A terceira (e melhor) parte do livro é toda haicai. É quando o poeta mostra domínio sobre a palavra. Nesse estilo não pode haver desperdício, e Antônio prova conhecer muito bem seu trabalho. São dele esses versos brilhantes: “No dia da mentira/ desfaço-me em lágrimas:/ girassol de abismos.”
Permeada de questões metafísicas, a poesia de Guarda-chuvas esquecidos revela uma visão desorientadora de mundo, em que a solidão e o entendimento são a única saída para a sobrevivência de qualquer sentimento humanista. A arte em Antônio Mariano permanece com sua função questionadora e a este respeito o poeta se expressa com precisão: “Me perguntar tantas vezes:/ o que se passa comigo?/ E a mim mesmo responder:/ sei, mas não digo”.
Mariano é um poeta ainda em composição, mas como atesta Claudio Daniel no prefácio da obra, “não é apenas uma promessa, mas um fascinante desafio”. E à lida do artista estarão sempre amalgamadas a contenda e a transgressão.