Ao se transferir para a editora Record em 2003, Lya Luft encontrou uma casa editorial disposta a investir em sua obra, aparelhada com os mais ingentes recursos de marketing, pronta para girar a seu favor as engrenagens midiáticas do consumismo. Era o que faltava para que em pouco tempo a escritora gaúcha encabeçasse todas as listas de mais vendidos. Seu livro Perdas e ganhos, uma mistura de auto-ajuda, memória e desabafo, tornou-se citação obrigatória em qualquer roda de discussão literária. Para bem ou para mal. A partir de então seus outros livros foram sendo relançados pelo novo selo, em esmeradas edições e generosas tiragens. Assim foi que chegou a vez de Secreta mirada, volume de poesias escrito na metade dos anos 90 e lançado originalmente em 1997.
Os versos desta mirada são para os leitores que aprenderam a apreciar a literatura de Lya pós-Perdas e ganhos. Respostas prontas, clichês e filosofia de botequim marcham despudoradamente nas mais de 150 páginas desse livro. E não vá se embrenhar nelas o apreciador das narrativas ágeis e pungentes de Reunião de família ou da poesia certeira de O lado fatal.
Northrop Frye, em sua Anatomia da crítica, defende que não se deve apontar nenhum deslize em uma obra literária, mas descobrir suas qualidades e ressaltá-las em um texto analítico. Teria trabalho o renomado estudioso canadense para encontrar os bons momentos desta Secreta mirada.
No Brasil é comum o sucesso de um escritor suscitar a inveja (e a conseqüente ira) de poetas, prosadores e mesmo ensaístas. Em um país no qual bons escritores sequer conseguem esgotar a primeira tiragem de seiscentos ou mil exemplares de seus livros, os best sellers devem sim ser encarados com certo estranhamento e muita ressalva. Geralmente a crítica não se engana: trata-se de obras menores, como é o caso desta antologia de Lya Luft.
Em alguns momentos Lya tenta dar um tratamento poético a suas experiências e quase consegue ressuscitar a autora dos versos de O lado fatal ao falar de seu filho (“és do teu futuro que não alcançarei inteiro”); e ao compartilhar sua visão de amor (“a solidão é um campo muito vasto/ que não se deve atravessar a sós”). Entretanto são versos raros demais para que se perca tempo a procurá-los.
Se, por um lado, o tom professoral adotado por Lya em seus últimos trabalhos tornou sua escrita enfadonha, por outro, foi graças a esse novo discurso que ela começou a vender e a ser (re)conhecida em todo o país. Nesse sentido ela deve saber o que faz. No entanto, há que se separar suas obras em duas fases: esta recente, publicada a partir dos anos 90, e a primeira, de qualidade, escrita nos anos 80. Na fase inicial, encontra-se uma Lya tradutora de Virginia Woolf, Thomas Mann e Hermann Hesse, ensaísta premiada, engajada em doutrinas literárias, romancista consciente, autora do belo Exílio e do lancinante O quarto fechado.
Entremeando as poesias de Secreta mirada, Lya Luft, pensando em seus leitores recentes, insere “pequenos textos em prosa”, que são, na verdade, explicações dispensáveis de seus versos. Por si só chegam a ser tão óbvios, que carecem de maiores esclarecimentos, mesmo para os admiradores de Perdas e ganhos.
No fim de tudo é bem recomendada uma espiadela em seus romances mais antigos, e fica a torcida para que a Record relance também O lado fatal, para que seja dada uma chance para a escritora se redimir junto ao seu público, principalmente aquele que a acompanha desde As parceiras.