Um dos ganhadores do Prêmio Jabuti/2001, na categoria poesia, Anderson Braga Horta é um dos grandes poetas brasileiros após a Geração de 45, sobressaindo-se com uma das obras mais sólidas e singulares da poesia brasileira. Detentor de vários prêmios nacionais e estrangeiros, esse poeta (e também tradutor), mineiro de Carangola, nascido em 1933, acaba de lançar Fragmentos da Paixão — Poesia Reunida (Massao Ohno Editor/Secretaria de Cultura do Distrito Federal, 344 págs.), enfeixando três décadas de produção intensa, tendo começado a escrever aos dezessete anos. Integra uma geração de pioneiros e intelectuais que se fixaram em Brasília nos primórdios de sua construção, e juntamente com Almeida Fischer, Cyro dos Anjos, Domingos Carvalho da Silva, Afonso Félix, Fernando Mendes Vianna, Joanyr de Oliveira, Clemente Luz e Ézio Pires fundou a Associação Nacional de Escritores.
Nessa antologia, Braga Horta mapeia o território de sua oficina criadora, que estreou com Altiplano e Outros Poemas (1971), seguindo-se Marvário (1976), Incomunicação (1977), Exercícios de Homem (1978), Cronoscópio (1983), O pássaro no aquário (1990), Auto das Trevas (1997) e Pulso (1998). Em toda a obra bragueana, a temática centra-se no homem e no amor, com ênfase na dicotomia entre a vida e a morte. Em sua densa artesania é perceptível a articulação entre as diversas correntes literárias, o trânsito entre uma escola e outra, a simbiose de estilos, a intertextualidade — particularidades de quem tem se dedicado a consolidar sua poesia sem preocupar-se com êxitos editoriais, livre das controvérsias de mercado, sem aprisionar-se aos encantos da mídia. Poesia madura desde cedo, vigorosa, pulsante, polissêmica, como encarnação da inevitável necessidade de contextualizar os paradoxos que caracterizam a trajetória humana em meio às rupturas do último fin de siècle.
A construção de Brasília e as emergências impostas pelo desbravamento do Brasil Central exerceram grande influência nos poetas que se fixaram na nova capital com o sopro de renovação cultural, tributário do bossanovismo inaugurado por JK, com repercussão na linguagem artística e literária. Embora vindo de uma formação clássica (a mãe professora e o pai promotor, ambos poetas), Anderson impregnou-se desse espírito renovador, contudo, sem abandonar a tradição, que é atemporal e permanece como dimensão histórica e influência na sua obra, no que ela admite como recepção não-canônica de valores de outras gerações para amalgamar a sua construção e dar-lhe requinte e serenidade. Aliás, nas diversas vertentes de sua expressão literária certos parâmetros não são renegados, não há de todo um abandono das formas tradicionais; antes, são invocadas como diálogo inovador, com seus desdobramentos estruturais e polifônicos, culminando na harmonização entre épocas, escolas e gêneros.
Mesmo com toda a liberdade criativa ao erguer a ponte entre a tradição do clássico e o arejamento do moderno, o autor não descuida da qualidade: labora dentro de uma perspectiva estética que não faz concessões à mediocridade, ao mau gosto e rejeita o incensamento da pseudo-vanguarda. Pela via dos sonetos, dos poemas parnasianos ou dos versos livres; ou valendo-se de alusões metafóricas, concretas ou visuais, enfim, lançando mão de processos mistos de composição poética, demonstra, além da versatilidade, absoluto domínio de sua arte. Constrói, pois, uma obra do mais alto padrão, situada acima de modismos e tendências, voltada unicamente para a poesia como elemento de identidade universal. E deixa claro nesses versos de concisa, mas profunda reflexão, o seu desafio aos leitores: “Não interrogues o poeta./Que sabe o rio de suas águas?/Bebamos o poema, esse/caminho venturoso/e sacrificial/entre/a rosa revelada e a rosa alquímica.”