No final da década de 90, as editoras brasileiras apostaram na publicação de livros encomendados, e basta conferir as listas dos mais vendidos para constatar o sucesso da proposta. A primeira empresa a explorar o filão foi a editora Objetiva, que convidou autores para, individualmente, abordar cada um dos pecados capitais, o que resultou na coleção Plenos Pecados. Quem também aproveitou a tendência foi a Companhia das Letras, inicialmente com a série Literatura ou Morte e agora com a Coleção Profissões. A editora Record está lançando a Coleção Metrópoles, projeto que traz intelectuais brasileiros escrevendo a respeito de suas cidades — natais ou de adoção.
E é justamente neste contexto mercadológico que o ilustre jornalista mineiro, radicado no Rio de Janeiro, Ruy Castro estréia como ficcionista assinando Bilac Vê Estrelas (Companhia das Letras, 150 págs.), título da coleção Literatura ou Morte. Seguindo as regras do projeto, o autor inventou uma narrativa policial em que o protagonista tem de ser um ilustre falecido, e, neste caso, o escolhido foi o maior poeta parnasiano brasileiro. A aventura fictícia acontece em 1903, tendo como cenário o Rio de Janeiro, principalmente a confeitaria Colombo, local em que Olavo Bilac se encontrava com Aluísio Azevedo, Coelho Neto, Pardal Mallet, Paula Ney, Emílio de Menezes, entre outros boêmios, jornalistas e poetas. No entanto, José do Patrocínio — o melhor amigo do personagem principal, além de não freqüentar aquele ambiente, tinha outras idéias.
Empolgado com o sucesso de Alberto Santos-Dumont, José do Patrocínio — até então conhecido por ser um homem de letras, panfletário e ativista, e também um leigo em assuntos aeronáuticos — projetou um balão, batizado de Santa Cruz, que voaria a noventa quilômetros horários. Bilac, o substituto de Machado de Assis na Gazeta de Notícias, passou a elogiar o projeto na imprensa, não apenas para divulgá-lo, mas, sobretudo, com a finalidade de arrecadar verbas para o amigo. Em viagem à Paris, o personagem — concebido por Ruy Castro — participa de um jantar em homenagem ao “pai da aviação”, promovido pela princesa Isabel e pelo Conde d’Eu. Na ocasião, Bilac discursou a respeito da assombrosa invenção de José do Patrocínio, tendo despertado a atenção dos convidados, principalmente de Deschamps e de Valcroze, que arquitetaram um plano para roubar o dirigível.
Os dois franceses escalaram Eduarda Bandeira para seguir Bilac até o Brasil e se apoderar do projeto de José do Patrocínio. Como o poeta parnasiano não se deixou seduzir, a formosa portuguesa — valendo-se de seus ardis femininos — alicia, então, um padre para ajudá-la a realizar seu trabalho. E o desenrolar da busca pelos desenhos do Santa Cruz será o fio-condutor da narrativa. No entanto, é preciso deixar de lado o enredo e atentar para algumas indagações que a obra provoca. Em primeiro lugar, ao invés de ter feito um estudo aprofundado sobre o parnasianismo — a exemplo de Affonso Romano de Sant’Anna que em Barroco — do Quadrado à Elipse (Rocco, 281 págs.) mostra que, muito mais do que um estilo, o barroco é uma estratégia de pensamento — Ruy Castro produziu apenas um livro descartável, que não resiste a uma segunda leitura.
Aos 53 anos, Ruy Castro tem um respeitável currículo, principalmente, por ter realizado pesquisas que resultaram em obras biográficas como Chega de Saudade — A História e as Histórias da Bossa Nova (1990), O Anjo Pornográfico — A Vida de Nelson Rodrigues (1992) e Estrela Solitária — Um Brasileiro Chamado Garrincha (1995). Agora, em sua estréia como ficcionista, o autor usa seu texto ágil para apresentar, por meio de atitudes e de diálogos, algumas características da vida e da obra de Olavo Bilac. E, em três ou quatro momentos, o leitor cairá na gargalhada, devido ao senso de humor presente na narrativa.
Mas Bilac Vê Estrelas não passa de um livro superficial. E Ruy Castro não é o único escriba que está cometendo tal pecado. Jô Soares, Luis Fernando Veríssimo, José Roberto Torero e Mário Prata — igualmente engraçados, similarmente homens de imprensa e comparativamente rasos — são as grifes literárias da atualidade que — assim como Castro — além de assinar obras de encomenda, produzem enredos frouxos e compensam tal deficiência apresentando um humorzinho miserável. Na verdade, eles são peças (escritores?) de uma indústria ávida por lucro, auxiliada pela imprensa cultural que promove produtos (livros?) bem embalados para serem adquiridos por consumidores (leitores?). A política caça-níquel empreendida pelas editoras brasileiras, apesar de lucrativa, está provocando, lentamente, a morte da literatura.