Procurei uma marca unificadora nos textos, na massa de textos que compõe a literatura brasileira hoje, e não achei nenhuma. Parecem conviver bem entre nós neste momento, em termos de aposta estética, a coisa e seu contrário — às vezes até no mesmo autor. Aí me ocorreu que a marca unificadora, se houver, não está no plano do texto mas no da inserção social do escritor e da escrita, na dinâmica da literatura como campo profissionalizado de produção de um saber. Se talvez seja exagerado falar em campo profissionalizado, é evidente que se ameaça uma profissionalização de amplitude e profundidade que seriam impensáveis em épocas universalmente consideradas as mais talentosas de nossas letras, como os anos 30 de Graciliano, os 50 de Rosa e Sabino ou os 70 de Rubem e Raduan. Em grande parte devido ao barateamento das edições provocado pela onda digital, publica-se autor novo em quantidades (nada a ver com tiragens) inéditas. Montou-se uma ciranda também inédita de eventos em torno da escrita literária, quase que exclusivamente de ficção: festivais, prêmios, bolsas. Ao mesmo tempo, o planeta anda mais interessado do que nunca no Brasil em termos econômicos, geopolíticos, nem tanto ainda culturais, mas é possível que isso mude e a curiosidade acabe respingando também em música, cinema e, por que não, literatura. Isso parece, neste momento, depender só de nós, daquilo que seremos capazes de fazer com essas e outras artes. Aí a conversa vira loteria, mas com meus botões eu penso que alguns dos bons escritores brasileiros surgidos neste século vêm dando sinais de amadurecimento em seus últimos livros. Falta um salto, é óbvio, mas o ambiente parece ser pelo menos anímica e economicamente favorável a tal salto, confiante, competitivo, ainda que manquitola pela ausência de uma crítica mais atenta e conseqüente. Os próximos anos devem ser muito interessantes para a literatura brasileira.