A mania brasileira das listas

A difícil e excludente tarefa de escolher os melhores filmes, romances e poetas
01/02/2004

Não que eu tenha aderido a ela (espero), mas tive, sim, uma crise dessa mania nacional, no final do ano — como no final do século passado, quando pulularam as listas (os melhores filmes, os maiores romances, os maiores “hits” musicais etc.), as escolhas das dez mais-mais coisas notáveis de todo tipo.

Milton Ribeiro, escritor gaúcho que mantém um dos melhores blogs brasileiros — na lista dos 10 melhores blogs? —, tem culpa no cartório, nisso. Em cada janeiro, Milton elabora e divulga uma lista dos “melhores filmes” do ano findo, que, para ele, chegaram a 16, em 2003 (en passant, creio que nunca se deveria passar do “10” de bom tamanho, boa medida, uma disciplina). Quando chegou a relação do cinéfilo rigoroso, dessa vez eu caí na armadilha: comecei a pensar nos meus “melhores” de 2003, fui pensando nos filmes vistos em 2002 e noutros anos mais recuados… e terminei me obrigando a escolher as “10 mais admiradas obras cinematográficas” da minha experiência direta (e limitada) de espectador.

Foi assim que tive a “crise” recentíssima, e fiz listas e mais listas, risquei, revi, e produzi, afinal, produzi uma relação dos dez filmes por mim mais admirados, em ordem mais ou menos cronológica:

1. Luzes da Cidade, do genial Charles Chaplin
2. Cidadão Kane, do seminal Orson Welles
3. Desencanto, do mestre David Lean
4. Rastros de Ódio, do bardo/épico John Ford
5. Contos da Lua Vaga Após a Chuva, do refinado Kenji Mizoguchi
6. O Sétimo Selo, do fundamental Ingmar Bergman
7. A Doce Vida, do gigante Federico Fellini
8. O Criado, do mago Joseph Losey
9. Blow-up, do esteta Michelangelo Antonioni
10. Teorema, do angustiado Pier Paolo Pasolini

Fiquei pasmo por não achar lugar para alguma obra de Eisenstein, de Rossellini, de Luchino Visconti ou de Godard mesmo. Assim são as listas, não devem passar de 10 escolhas fatais, escritas na mente como os dez dedos das mãos impressos em cimento fresco.

Listas? Eu havia pensado só nessa, de filmes, porém me flagrei a pensar em quais seriam, para mim, os dez maiores romances universais? E não deu outra: peguei, de novo, papel e caneta para riscar e apagar títulos, rever posições, brigar comigo e sofrer até chegar a dureza de diamante desta lista estranhamente restrita ao romance ocidental (uma falha, sem dúvida):

1. Dom Quixote, de Cervantes
2. As Ilussões Perdidas, de Balzac
3. Madame Bovary, de Gustave Flaubert
4. Moby Dick, de Herman Melville
5. O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë
6. Judas, o Obscuro, de Thomas Hardy
7. Os Irmãos Karamozov, de Fiodor Dostóievsky
8. A Montanha Mágica, de Thomas Mann
9. O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald
10. A Consciência de Zeno, de Italo Svevo

Novamente, o pasmo. Como pude deixar de fora o maior roman-fleuve de todos os tempos (Em busca do tempo perdido), e não achar lugar para Kafka, para Machado ou mesmo para a maravilhosa ficção do poeta Cesare Pavese… Poetas? Aqui, no final da crise, eu me vi atraído para uma galeria de bustos dos mais altos vates da literatura: quem seriam eles, numa relação premida pela implacável dezena?

Tomei coragem, e fui em frente, já meio obsessivo com escolhas auto-impingidas como forma de afirmar o gosto, a preferência e até a idiossincrasia:

1. Dante Alighieri
2. Li Tai Po
3. John Donne
4. Friedrich Hölderlin
5. John Keats
6. Paul Valéry
7. Federico Garcia Lorca
8. William Butler Yeats
9. Eugenio Montale
10. Marianne Moore

E Shakespeare? Onde encaixar o Poeta dos Poetas? Entre os dez maiores dramaturgos? E a democracia?: não se fazem listas também dos dez maiores contistas? Dos dez supremos cronistas? Dos dez mais medíocres membros da Academia Brasileira de Letras?… Esta última (reconheço), não poderia ser, de modo algum, de dez dos quarenta ilustres comensais do chá campeão dos dez mais chatos chás do planeta.

E chega de listas — minhas, pelo menos. Dou vez às do Milton Ribeiro, que elegeu também os melhores filmes e os maiores romances da sua experiência de leitor voraz e espectador apaixonado. Comparem e façam as suas, o seu jogo de armar o quadro das admirações mais firmes no cinema e na literatura:

1. Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman
2. A Doce Vida
3. Vá e Veja, de Emir Kusturica
4. Blow-up
5. O Sétimo Selo
6. Cidadão Kane
7. Afogando em Números, de Peter Greenaway
8. Em Busca do Ouro, de Charles Chaplin
9. Jules e Jim, de François Truffaut
10. Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock

Curiosamente, só nos primeiros três títulos coincidimos, eu e o amigo Milton, nos melhores títulos do romance universal:

1. Dom Quixote
2. Os Irmãos Karamozov
3. As Ilusões Perdidas, de Balzac
4. A Metamorfose, de Franz Kafka
5. Middlemarch, de George Eliot
6. Berlin Alexanderplatz, de Alfred Döblin
7. O Vermelho e o Negro, de Stendhal
8. Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf
9. A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristam Shandy, de Lawrence Sterne
10. Doutor Fausto, de Thomas Mann

Por fim, um esclareciemento: o nosso romance inédito O Inglês do Cemitério dos Ingleses, que seria publicado neste jornal, a partir deste mês (até junho), vai esperar até que surja um novo patrocinador do caderno extra

Fernando Monteiro

É escritor, poeta e cineasta. Autor de Aspades, ETs, etc., entre outros.

Rascunho