A literatura pop vem aí. Preparem-se

Talvez seja algo ruim dizer isto, para quem gosta de Literatura (com ele maiúsculo mesmo, uma das sete artes)
01/11/2002

Talvez seja algo ruim dizer isto, para quem gosta de Literatura (com ele maiúsculo mesmo, uma das sete artes). Talvez seja bom para quem lê apenas por diversão (e, na verdade, todos deveriam ler apenas por diversão). O fato é que Nick Hornby, o escritor pop por excelência, aquele que fala para quem ama e conhece os ídolos da cultura pop globalizada, já criou escola. Pode até ser que ele não seja um precursor de um novo gênero, mas é com certeza o fenômeno mais visível da “literatura pop” (enquanto um acadêmico não cria um novo selo, vai entre aspas mesmo).

O que é a escola de Hornby? Personagens masculinos altamente obcecados por detalhes e outras imbecilidades, com cerca de 30 anos e ainda completamente adolescentes (ou melhor, são os perfeitos adultescentes), com enredos absolutamente plausíveis e críveis, desde que você seja um fã inconteste de Friends e acredite que o que acontece no seriado realmente pode acontecer na tua vida (claro, seis adultos com conversas de adolescentes há mais de seis anos que nunca apareceram trabalhando, mas estão sempre gastando grana, absolutamente factível, como não?), e histórias que sempre têm um final feliz (a associação com Hollywood não é mera coincidência, afinal, dos quatro livros de Hornby, apenas o último não virou filme. Ainda).

Um dos primeiros discípulos de Hornby a fazer algum sucesso na Inglaterra é Stephen Foster, inglês, ou melhor, londrino como o original, e cujo primeiro romance, Strides (Calcas, 2001, Faber and Faber, 256 págs.), não tardará a chegar ao Brasil. Afinal, as editoras cheiram de longe um autor que está embarcando em um gênero que está dando certo, no caso, “literatura pop”. Do início ao fim, Foster segue um estilo de narrativa que se parece em tudo com o que Hornby escreveu.

Quais as semelhanças? Enquanto em Alta fidelidade o protagonista é fanático por música e por listas dos cinco mais, em Strides o personagem principal tem problemas com calças. Winger, seu apelido dado por uma namorada, simplesmente não consegue encontrar nunca o par ideal de calças, e passa metade do seu tempo desperto (um pouco mais, na verdade) pensando em calças, barras, costuras, caimento etc. Um par tem costuras a mais, outro 11 mm a menos na barra, outra com um bolso de trás com uma linha de fios a mais, outra com o forro dos bolsos inadequados, e por aí vai. E o que é pior (ou melhor, vide a abertura): isto está escrito, nós lemos estas elucubrações e achamos legal.

Outra semelhança? Os dois protagonistas têm problemas com namoradas. Em Alta fidelidade já começamos sabendo quem são os cinco maiores foras de sua existência, e que Laura, o último, não é um deles. E que todos os foras foram provocados pelo seu estilo de vida, ou melhor, pela falta de um que seja “socialmente” aceito. Em Strides, Winger leva um fora provocado pelo seu estilo de vida, ou melhor, pela falta de um que seja “socialmente” aceito. E toda a música que havia em Alta fidelidade é substituída em Strides por receitas de zabaglione, uma sobremesa italiana, e futebol.

Há inúmeros pontos de contato entre os protagonistas dos dois livros, que poderiam até ser confundidos como obras de um mesmo autor. Um tem uma loja de discos (eu ainda chamo os bolachões de vinil de discos, o resto é CD) na era digital, e que vai de mal a pior. Outro não faz porra nenhuma mesmo, é apenas um que vive criticando esta vida em que ter dinheiro e poder parece o único objetivo, e que por isso se recusa a arranjar um emprego. Digam com sinceridade, tem como não simpatizar com caras assim, românticos no sentido acadêmico da palavra? O ser humano tem disso, ele simpatiza com o perdedor, em muitos casos.

Bom, mas do que fala Strides? Basicamente, Winger é este cara que não faz nada, mas que de alguma maneira tem dinheiro para comprar calças e os ingredientes do zabaglione e vai levando sua vida, e que em um jogo de futebol conhece uma garota. Eles se apaixonam a primeira vista, se separam por razões que não posso dizer senão tiram a graça do livro, e … Fora os encontros e desencontros, o livro narra os problemas com as calças de Winger, um pouco de seus problemas existenciais (mas nada mais profundo que um pires, tenham certeza), e, como sua cabeça, trabalham em relação a sua namorada, e ex-namorada, e caso. Simples, direto.

E como o romance é um romance “pop”, a linguagem também o é. Cheio de gírias, várias referências à cultura pop (prevejo problemas para o tradutor). Um exemplo pode ser este: Vocês sabem qual é o sentido da vida? A resposta é 42 (quem leu a série completa do Mochileiro das Galáxias entende). Há inúmeras referências às marcas da moda, ou seja, ainda que o autor critique o mundo capitalista moderno, está mais do que imerso e adaptado a ele, e um constante diálogo sobre o nada (influências de Seinfield?). Ah, tem também um roubo pé-de-chinelo no meio, mas que no final é um argumento que parece meio colocado à força, uma coisa que Winger faz, que o autor queria desenvolver, não consegue, e se livra de uma maneira qualquer.

No entanto, apesar de todos os detalhes fracos do enredo, não há como negar que é um livro legal. Foster escreve bem, sabe colocar no papel o ritmo das conversas do dia-a-dia e, de alguma maneira, fala a todos aqueles que possuímos alguma mania que não admitimos para os outros que seja uma mania. Talvez esta seja a principal característica da “literatura pop”, pegar um aspecto comum a todos nós, amplificá-lo de uma maneira absurda, mas ainda assim factível até um certo ponto, e pôr no papel. Ou seja, pura diversão.

A literatura pop vai invadir a nossa praia. Não tanto pelas suas qualidades literárias, mas pelo seu potencial de divertir-nos. Esperem e verão.

Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho