A complexa engenharia do simples

Resenha do livro "Concerto de cordas", de Luiz Coronel
Luiz Coronel esta em constante fuga do lugar-comum
01/02/2002

A poesia de Luiz Coronel é original e maiúscula. Nela, a artesania das imagens é mistura plasmada em mão de escultor e mágico. A imagem atinge a montanha, depois a nuvem e o vento. Poeta de reinventos e de um lirismo cativante, é um mestre alquimista para o encanto de decantar o verso. No cotidiano, ele encontra o abismo. E uma flor no asfalto. Quando Lorca visitou as aldeias de Tolstoi, batizou o menino Luiz Coronel. Universal e cordiano, um complexo maquinador das engenharias do simples. Roldanas invisíveis em movimento a cada página.

O poeta estreou em livro em 1973 com Mundaréu (Prêmio Nacional de Poesia — MEC), pela Editora Garatuja. As razões de ser ainda desconhecido do público nacional talvez estejam em parte explicadas na orelha do livro Um girassol na neblina (Exitus Editora, 1997), onde ele próprio nos conta: “A ansiedade de eco, tão comum na juventude, se faz pequena ante a alegria de criar”. Pode ser uma das razões pelas quais não buscou antes uma editora nacional. Apenas agora, temos dois lançamentos (antologias) em editoras de maior alcance. Um desses lançamentos foi Amor, seja lá como for, (LP&M, 132 págs.), que reúne poemas líricos. O outro, Concerto de cordas (Imago, 216 págs.), é a antologia poética que permite uma panorâmica da obra deste poeta sulinamente brasileiro-português-espanhol, dono de uma produção constante e de uma genialidade ainda não aplaudida. A antologia faz parte da Coleção Columba, da Imago, tratada com esmero e apuro gráfico. A edição é capitaneada pelos cuidados do poeta Carlos Nejar, com a co-edição de Ildásio Tavares.

A obra de Luiz Coronel vem marcada pela musicalidade. Muitos dos poemas foram aos palcos de festivais sob a forma de letra de música, como em Cordas de Espinho: Geada vestiu de noiva / os galhos da pitangueira”: um dos tantos poemas que foram gravados e regravados (este, participou da Califórnia da Canção, em Uruguaiana, e depois foi gravado nacionalmente por Fafá de Belém). As alegorias deste poeta fariam pensar que, não fosse poeta, ele seria fotógrafo ou cineasta. Mas é. Sua carreira publicitária permitiu que muito de sua criação poética ganhasse outras formas e fórmulas. Sempre com a tatuagem do homem criativo, do artista obstinado em fugir do lugar-comum em qualquer área de atuação.

No Sul do Brasil, é o poeta cultuado por um público cada vez mais fidelizado pelo seu talento de emocionar. E arte, antes de qualquer coisa, precisa causar emoção (obviedade tantas vezes esquecida ou negligenciada em alguns meios acadêmicos). Coronel é um comunicativo por vocação e devoção. Sabe fazer poemas e amigos. Aliás, vive rodeado de amigos. Os reais e os outros, que são ainda mais reais. Ou não. No poema Amigos, ele descreve seu encontro dominical com Vinícius, Borges, Quintana, Lorca, Cecília, Nejar. “Eles me ajudam a estender a tristeza nos varais e a pendurar suas imagens nas paredes do cotidiano.”

Poucos artistas conseguem uma identidade tão clara e uma intensidade metafórica tão forte quanto Coronel. Ele tem mãos limpas para o garimpo da pedra, para apontar o ouro em descoberta ou transmutação. E o imprevisto é um pássaro em vôo em cada poema. Não há como passar pela obra de Luiz Coronel impunemente. Cada página, mais que retângulo, é um abismo. Ali, as armadilhas nos esperam e a queda é inevitável. É lei. Da gravidade das sensações, da gravidez de idéias, o ventre da terra em brotação constante. “O corpo é um barco / a navegar entre garças / sentindo a sedução dos precipícios.” Coronel tem parentescos com Dédalo. Sabe levar o leitor para um vôo de Ícaro ou para o oco do mundo. E nele o tempo escoa sempre pelo lado de fora das ampulhetas, é um poeta que não se perdeu do menino que o habita. Os dois são vistos pela cidade, de mãos dadas. E em vários pontos ao mesmo tempo. “Nos relógios da memória / os ponteiros são dois braços.”

Os versos trazem uma verdade sentida na pele e nas entranhas do poema. E há espelhos de Tropo jogando infinito na paralela das entrelinhas. A obra de Luiz Coronel é mágica e contundente. Punhal de Toledo em mão de vento e pluma.

Concerto de cordas
Luiz Coronel
Imago
213 págs.
Jaime Vaz Brasil

É poeta, autor de Os olhos de Borges e Livro dos amores, ambos da WS Editor.

Rascunho