O insuportável dos dias a dois implanta e impõe o tédio no ar que os casais ordinários respiram, mas a ausência programada e forçada, quando uma das partes abandona a relação, conduz a outra a uma busca insana e desenfreada.
A mulher rejeitada, assim como o homem, quer a vingança implacável, maquiavélica, estigmatizada, com requintes de crueldade e, se possível, duradoura. Ela pode vir em forma de ruína financeira, na limitação ou extinção do convívio com os filhos ou na desqualificação e até no maldizer dos dotes sexuais do ex-parceiro (esta a mais terrível, temível e vexatória manifestação da ira feminina, pelo menos para os machos-padrão).
O homem, este ser medíocre até na vingança, pode extirpar de si o último libelo de razão e simplesmente matar… em nome do amor, em nome da dor, em nome da honra, em nome de Deus, em nome da lei… Mas os homens de opulenta maldade são insaciáveis. Estes não matam, pois consideram a morte uma vingança pífia, débil, fácil demais. O que fazem? O que pode ser mais cruel do que a morte dogmatizada? As respostas estão nas páginas do romance Do Amor Ausente (Rocco, 131 págs.), obra que marca a estréia de Paulo Roberto Pires. O jornalista carioca e professor da Escola de Comunicação da UFRJ acertou na alquimia.
É uma estréia madura que apresenta uma visão assustadoramente real, cética, desprovida de leviandade e baseada num apurado senso estético-crítico de observação e de análise psicológica.
A lacuna deixada pelo sumiço da fêmea conduz o homem ao alagadiço da errância mundana. O personagem principal do livro é um homem sem nome, qualquer um de nós… “Vamos chamá-lo M. O que interessa não é seu nome, mas o que a ele aconteceu. Vejamos portanto, como naquele dia, ao chegar em casa, apressou-se a tomar banho e uísque. E, pouco depois, descobriu que sua mulher não voltaria.” O livro decola sorrateiramente logo nesse primeiro parágrafo com uma linguagem seca, galgada na aridez dos sentimentos, que são destruídos mais adiante sem a mínima compaixão: “Um dia chegou a acreditar que poderia viver sob o que se chama, e como agora era fácil mencionar, paixão. Acreditou, piamente quase, que abriria suas comportas para que aí se instaurasse uma nova lei, princípios que regessem o seu mundo a partir de então. Enamorar-se, era assim que se dizia numa forma pedante e rebuscada, deixar-se fascinar. Reconhecer que novos movimentos são possíveis na mecânica bolorenta dos dias, das passagens dos desencontros.”
Paulo Roberto Pires arrebenta, implode o resquício de ilusão no diário em que seu personagem anota o que sente e deixa transparecer o que não sente. Fica clara a maestria com que o autor constrói uma narrativa desprovida de sensações humanamente deslumbradas e dá ao texto uma aparente idéia de escassez ou ausência mesmo de sentimentos. Os leitores desavisados que se cuidem, já que podem tropeçar na densidade da obra, no mistério e no sortilégio da entrelinha e assim perder um raro exemplo de alta literatura no parco cenário atual das letras brasileiras.
Ou alguém duvida da grandiloqüência poética de um personagem como M.? O homem sem nome que segue na busca obtusa do prazer (leia-se vingança), o que na prática significa nada menos que autodestruição. Ele preenche o vazio do abandono com a dor e com a aniquilação da dignidade alheia, feminina para ser mais preciso. E assim vive entre puras e putas com o “pau doendo de tanto humilhar.”