O escritor João Gilberto Noll decidiu responder com uma coleção de impropérios à matéria publicada sobre ele, no Rascunho # 53 (setembro/04). Poucas vezes se viu um autor respeitado se permitir uma tão destemperada, descontrolada, histérica e deselegante reação diante de uma crítica negativa — publicada ao lado de uma crítica positiva.
Quando se diz que este país conserva insuspeitados bolsões de autoritarismo (vide manifestação do comando do exército, recentemente), não se pensa que o lamentável vício nacional do “sabem-quem-eu-sou?” atinja também escritores de renome, publicitários do marketing político e pessoas bem-sucedidas como Jô Soares, que um dia pediu a cabeça de Wagner Carelli — então repórter da Folha de S. Paulo — porque não gostou de uma matéria que o Wagner escreveu sobre o “Gordo” da TV.
João Gilberto Noll também não gostou daquela metade da folha deste jornal, na qual era criticado como autor — num país livre, supõe-se — e fez acusações absolutamente injustas, já respondidas, por Rogério Pereira, de forma elegante, controlada e serena mesmo diante dos adjetivos de “picareta, merda e canalha”. A espuma raivosa dos cantos dos lábios de Noll não atingiu, entretanto, apenas Rogério e o jornal que ele mantém, com toda a dignidade, há cinco anos, como exemplo paranaense para todo o Brasil (nessa meia década, o jornal conquistou a posição de melhor publicação literária que temos — apesar de deslizes como o “caso Sebastião Uchoa Leite” —, entre os acertos e os erros que Rogério admite e tenta corrigir, com humildade e sabedoria).
Noll escreveu, a certa altura da sua mensagem por e-mail: “Vocês trabalham com um monte de pobre diabo (sic), incultos, recalcados, cheirando à cana de tanto provincianismo”.
Não creio que José Castello, Nelson de Oliveira, Eduardo Ferreira, Miguel Sanches Neto e Fabrício Carpinejar — articulistas fixos de Rascunho — e os colaboradores da edição 54, por exemplo, Sergio Faraco, Hélio Pólvora, Moacir Japiassu, Álvaro Alves de Faria, Luiz Horácio, Marcos Vasques, Luiz Paulo Faccioli, Paulo Franchetti, Júlio Daio Borges, Leonardo Gemmi, Regina Iorio, Wilson Hideki Sagae, Paulo Krauss e Marcella Lopes Guimarães sejam pobres diabos recalcados e incultos (além do ameaçador epíteto de “cadáveres ambulantes” sapecado na última linha da coleção nolliana de insultos do baixo Pelotas).
Quanto à frase “cheirando (todos) à cana de açúcar de tanto provincianismo”, eu prefiro acreditar que apenas signifique que Noll não gosta do suco extraído do bagaço — e não que tenha alguma aversão pampeira ao Nordeste, onde ainda vigora a monocultura da cana, na nossa região economicamente deprimida, mas ainda intelectualmente pujante.
Não cabe dúvida, porém, de que o escritor gaúcho considera “reles” a “opinião pública curitibana”, nas suas próprias palavras desabridas e ofensivas. Chamar de reles um público que já foi leitor da Joaquim, do Nicolau e o é, agora, do Rascunho, demonstra o estado alterado do escritor, ao redigir uma mensagem de protesto na qual fica claro o seu desprezo pelo público que também lê — ou lia — os romances de João Gilberto Noll, os quais não são reles.
Por último, a senhora mãe de Rogério não merecia ser invocada, desrespeitosamente, pelo autor de Lorde, em dia de “rodar a baiana”. Rodando “a gaúcha”, Noll fez duvidar não de que ele seja um notável escritor, etc., mas da sua mera qualidade humana superior, etc., etc., tão necessária aos escritores e aos artistas, de um modo geral, na hora de acolher o elogio e a crítica desfavorável SEM SE DESLUMBRAR, NEM SOLTAR OS CACHORROS, RESPECTIVAMENTE.
Do alto de bombachas guarnecidas de esporas — feias de se ver num homem adulto, vacinado, viajado, festejado e admirado —, o autor de Harmada se armou do pior do mau humor e da arrogância fora de controle, pondo-se a nu, lamentavelmente, diante dos públicos “reles” (não só de Curitiba)…
Ninguém pode espumar de ódio assim, e esperar que tudo continue como dantes, nos autoritários quartéis de Abrantes.