Tsugumi, de Banana Yashimoto, tem um currículo que chama a atenção. Publicado quando a autora tinha apenas 24 anos, o livro recebeu o prêmio Yamamoto Shūgorō e foi adaptado para o cinema por Jun Ichikawa em 1990.
O livro é narrado em primeira pessoa por Maria Shirakawa, filha de um relacionado extraconjugal do pai e criada pela mãe. As duas encontram abrigo na pousada da tia de Maria, localizada numa cidade litorânea não muito distante de Tóquio. O pai espera se separar de sua esposa para que possam finalmente viver em família e as visita com frequência.
Maria é uma menina simples, no final da adolescência, que se acostumou a viver em uma família relativamente frágil. Ela estuda e trabalha em uma confeitaria da cidade. Além disso, convive com grandes mudanças sazonais — intenso movimento no verão, desértico no inverno.
Durante a narrativa, Maria conta como eventualmente saiu dessa cidade para estudar em Tóquio — e como foi o último verão que passou na pousada. Além de relatar os acontecimentos, a narradora relembra acontecimentos da infância e faz comentários sobre suas opiniões e sentimentos — ainda que não pareça temporalmente distante dos fatos.
Porém, o leitor logo descobre que na verdade Maria é coadjuvante dessa história. Como o título já anuncia, o livro é na realidade sobre Tsugumi, prima de Maria. Tsugumi teve desde criança uma saúde frágil. Por estar em vários momentos perto da morte, a família sempre a mimou e procurou fazer muito por ela. O resultado é uma menina impulsiva e com fortes variações de humor. Tanto que Maria, já na primeira linha do livro, conta: “Sem dúvida, Tsugumi era uma garota desagradável”.
Mesmo que tenham idades próximas, a amizade de Maria e Tsugumi é um pouco estranha. A proximidade entre elas veio apenas depois de um determinado acontecimento, que mostra muito sobre a diferença de caráter das duas.
Boa parte do livro fala sobre a vida familiar das meninas — como era conviver com as incertezas de Tsugumi, a ausência do pai da Maria e a presença de hóspedes diferentes a cada nova temporada. Mesmo que o livro seja curto, Yoshimoto consegue criar a aura da rotina da família e qual é o papel ocupado por cada um. A autora cria ainda um bom desenvolvimento para a relação de Maria com o pai.
Outra personagem importante é Yoko — irmã dois anos mais velha de Tsugumi. Assim como acontece com Maria, a descrição de Yoko é feita por contraste com a da irmã. Além disso, cabe à filha mais velha uma preocupação quase como de uma mãe em relação à irmã.
Grande parte da narrativa do livro acontece durante um mesmo verão, possivelmente o último que as meninas passarão juntas na praia. Essas férias acontecem cerca de um ano depois que Maria se muda para Tóquio.
As frequentes referências ao passado e à infância — incluindo muitas passagens que ocupam os mesmos espaços em que as personagens estão no presente da narrativa – constroem um intenso clima de nostalgia.
Espaços
“Nós, os que vamos à praia, vamos sempre atrás mais ou menos da mesma coisa: das marcas do que o mundo era antes que a mão do homem decidisse reescrevê-lo”, disse Alan Pauls em A vida descalço, livro de ensaios sobre a praia. Além disso, o argentino diz que a praia é na realidade um “espaço-tela”: é uma “superfície neutra e absorvente”.
Yoshimoto parece concordar — em sua narrativa a praia se torna tanto um espaço real como um espaço simbólico. Explico: enquanto as meninas passam seu verão ali, a praia é um palco para vários acontecimentos da vida. Desde passagens mais simples até dramas mais desenrolados, é ali que conversam, se encontram com outros personagens e pensam suas vidas. E “ali” é esse espaço ainda pouco tocado pelo homem, como disse Pauls. É nesse “espaço-tela” que elas pintam suas vidas.
Os acontecimentos que vivem (ainda que soem simples e juvenis) as marcam profundamente — e remoldam quem elas são. Como o verão narrado tem a sombra de ser o último que passarão na praia juntas, é como se elas deixassem esse mundo (até então não alterado pelo homem) para trás enquanto amadurecem e vão para os outros espaços de suas vidas. Simbolicamente, é um espaço de crescimento e talvez até de abandono de partes da infância.
Outro tema abordado pela autora é o “ócio do verão” — os períodos sem nada para se fazer ou pensar que acontecem em férias no litoral. Alguns leitores podem até se lembrar do clima de Bom dia, tristeza, de Françoise Sagan. Esses momentos de letargia beiram todos os acontecimentos e constroem certamente o ritmo do livro.
As frequentes referências ao passado e à infância — incluindo muitas passagens que ocupam os mesmos espaços em que as personagens estão no presente da narrativa – constroem um intenso clima de nostalgia.
Ainda sobre o espaço em que o livro é ambientado, é interessante a maneira com que a autora insere uma personagem tão volátil como Tsugumi em uma pousada, um espaço que também oscila de acordo com o período do ano (ainda que de maneira muito mais previsível que da adolescente, claro).
Sutil e singelo
Vale a pena dizer que o romance é suave e sutil. Não são grandes os acontecimentos e não são drásticas as mudanças. Ainda assim, é perceptível o amadurecimento das personagens. Fato é que algo maior parece estar sempre por acontecer — e, por mais que existam vários acontecimentos interessantes no caminho, esse algo nunca acontece.
Apesar de construções interessantes de personagens e espaços para a narrativa, parece ser difícil descrever o motivo pelo qual o livro foi escrito. É uma história de amadurecimento um tanto suave (ainda que sofrida em alguns momentos, principalmente pela saúde frágil de Tsugumi), mas que em alguns momentos pode soar singela ou juvenil demais.
As construções interessantes do livro de Yoshimoto e a beleza da narrativa parecem não suprir completamente a falta de um impacto ou motivo maior para o livro. Uma aparente melancolia, que permeia determinados momentos parece nunca se concretizar.
Um fator relativamente pouco explorado é a doença de Tsugumi — que nunca chega a ser explicada. Fato é que a doença apenas justifica o temperamento inoportuno da personagem, mas pouco traz de reflexões mais profundas. Outro tema pouco explorado é o ano que Maria passou em Tóquio estudando. Pouco é mencionado sobre o período, como se ele mal tivesse acontecido e pouco mudado a percepção da personagem.
Para leitores do Brasil, onde obras orientais não figuram uma grande parte das livrarias, um dos méritos de Tsugumi pode ser mostrar um pouco da vida no Japão.
Interessante, mas não imperdível.