Costumes contemporâneos

A bela Helena, de Miriam Mambrini, é um romance de fácil leitura, mas poderia oferecer mais ao leitor
Miriam Mambrini, autora de “A bela Helena”
26/11/2015

Um passeio pela atual literatura brasileira vai revelar uma persistente volta ao passado. Cada vez mais os novos autores, ou melhor, os novos livros publicados estão voltados para gêneros que numa época ou noutra fizeram valer suas vozes. Romances históricos, sociais, memorialísticos ou de formação habitam as estantes das livrarias. Isso pode parecer estanho, mas é simplesmente um fenômeno recorrente. Quando falta uma escola unificadora ressurgem vários discursos na busca de um tom marcante para aquele momento literário.

Neste sentido ruma o novo romance de Miriam Mambrini, A bela Helena, uma narrativa que se prende à primeira fase do romantismo e à literatura de costumes, bem aos moldes de José de Alencar com sua série de narrativas cariocas. Esta literatura, em geral, gira em torno de mulheres determinadas que de crise em crise, de amores em amores, domam como podem o próprio destino. E A bela Helena pode ser lido como uma peça contemporânea deste caleidoscópio.

Talita, a protagonista, é uma dessas mulheres alencarianas. Nascida de um romance fortuito entre uma manicure suburbana, Zenaide, com um rapaz mimado de Copacabana, Sílvio, isso na década de 1940, passa toda segunda metade do século 20 mitigando uma saga de excluída que sempre encontra amparo no jogo de sedução, nos encantos pessoais que provocam os homens da classe média bem sucedida.

Isso pode parecer uma trama comum em que uma mulher usa os poderes da sensualidade para se dar bem. No caso de Talita, a trama foge um pouco à regra. A rigor não aplica nenhum golpe, apenas se deixa levar pelas circunstâncias de uma vida fadada à tragédia, bem ao gosto de Alencar. Assim, mesmo segura em um casamento confortável, se deixa envolver por um sedutor misterioso que acompanha seus passos de perto, um homem que surge, desaparece e ressurge sempre que lhe parece conveniente. Ou seja, estamos mais uma vez diante de um personagem digno de um bom folhetim.

O romance tem personagens que renderiam boas histórias se fossem mais bem trabalhados, mas foram desperdiçados, ou pelo menos minimizados, pelo fato de estarem em uma narrativa em primeira pessoa.

Pouco sedutor
Este papel de canalha sedutor e misterioso foi dado a Laerte, primo de Luiz Eduardo, o primeiro marido de Talita, e um eterno apaixonado por ela. Esta paixão não promove um relacionamento mais concreto por conta do caráter dúbio de Laerte. Aparentemente quer apenas seduzir a protagonista, mas na verdade vive envolvido com os perigos e desassossegos de sua profissão, contrabandista internacional de armas. O problema é que, apesar de todos os mistérios, o sedutor não seduz o leitor. Sua passagem é fundamental para o romance, mesmo assim, por pouco saber sobre ele, Talita nos conta apenas este pouco, o que nos dá uma visão, digamos, sépia daquele que poderia ganhar cores mais vivas e fortes.

Um narrador onisciente certamente poderia nos oferecer esta necessária e consistente visão. O problema é que Miriam Mambrini optou pela voz na primeira pessoa. A protagonista, já na maturidade, às vésperas de completar sessenta anos, revisa sua vida como tentativa de resgatar o passado, mas também como uma espécie de terapia ocupacional, posto que escreve num caderno todas as suas lembranças.

Se assim perdemos o direito e a instigação do contraditório, Miriam nos oferece a inteireza de sua personagem. Talita sofre uma permanente necessidade de aceitação, sente-se constantemente rejeitada. Primeiro pela própria mãe que a deixa com os avós, depois pelo pai e pelas amigas do colégio e pelo primeiro marido e a família deste e pelas colegas de trabalho… Esta recorrência a leva a desprezar o próprio nome e adotar um pseudônimo íntimo, Helena, e daí o título do romance.

Uma linguagem e uma voz mais livres poderiam render dividendos com consistência mais sólida. O drama pessoal de personagens quase secundários, como Sílvio, o pai da protagonista, e sua irmã Eliana, seria talvez uma maneira de enriquecer o panorama de época. Seguindo nestes exemplos, Sílvio, depois de um casamento frustrado, se tornou alcoólatra, e na juventude era um típico cafajeste bon vivant da ascendente classe média carioca dos anos 1940. Eliana, depois de uma vida, digamos, liberta demais para a época, cuida dos pais doentes, casa com um viúvo, perde tudo para a enteada e vai viver no asilo.

Fica, assim, a dica. O romance tem personagens que renderiam boas histórias se fossem melhor trabalhados, mas foram desperdiçados, ou pelo menos minimizados, pelo fato de estarem em uma narrativa em primeira pessoa.

Miriam Mambrini bem poderia voltar a eles em um novo livro, espera-se.

A bela Helena, enfim, é um romance de fácil leitura. Prende o leitor pelas tramas paralelas que vai urdindo, embora, moderno, dispense aquele suspense necessário a todo final de capítulo de um folhetim. É um bom livro, de uma excelente narradora que até já deu provas de seu talento em outros textos.a esperança, uma presença escondida em algum lugar.

A bela Helena
Miriam Mambrini
7Letras
212 págs.
Miriam Mambrini
É carioca, formada em Línguas Neolatinas. Autora de Vícios ocultos (2009), Ninguém é feliz no paraíso (2012) e A outra metade (2013), entre outros. Participou de diversas antologias de contos, colaborou na revista Ficções e ganhou vários prêmio literários, entre eles o Stanislaw Ponte Preta (1991).
Maurício Melo Junior

É jornalista e escritor.

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