Chega dezembro, hora de comprar presentes de Natal, e eu — para desânimo dos meus entes queridos — começo a visitar livrarias. Sim, parentes: irmãos, genitores, sobrinhos, cunhada e cunhado ganharão livro nas festas. Peço que me perdoem, faria diferente, se pudesse. Porém, fora livros, somente as meias me encantam. E já dei meias ano passado.
Estou entre os piores presenteadores da família. Esqueço as datas, não escrevo cartões, compro no Mercado Livre e os presentes chegam sem embalagem colorida ou fita decorativa. Nos aniversários dos jovens, assumo o lado tia e já faço um pix direto: adolescentes gostam de dinheiro, não frito as caspas pra escolher algo que certamente não irá agradar. Só que — sinal dos tempos — minha família tem mais gente acima dos quarenta que abaixo dos vinte. E presentear adultos com dinheiro transformaria o Natal num boleto.
Entro de férias no dia vinte de dezembro. Nada melhor do que um passeio no sábado, tomar um cafezinho, passar numa livraria e já escolher presentinhos pra dois ou três familiares. Depois, domingo, outro passeio, outro cafezinho, outra livraria… Antes de sair, acendo uma vela pra minha santa, em agradecimento por morar numa cidade que ainda tem livrarias.
Ao entrar nesse tipo de loja em extinção, respiro fundo e repito o mantra: “presente é pra quem recebe… presente é pra quem recebe…”. Isso pra me lembrar de escolher um presente que o receptor possa gostar. Seria muito mais divertido comprar os livros de que eu mesma gosto, porém tal atitude não me faria uma boa filha, irmã ou cunhada.
Tento expandir minha mente além da percepção ordinária… mentalizo as preferências, a personalidade, as últimas novidades de cada um dos meus entes queridos. Avanço entre as prateleiras, olhando títulos, lombadas, capas, até enxergar algum um sinal. “Me escolha!”, dizem os exemplares predestinados. “Eu sou divertido, eu sou novidade, eu posso agradar!” Uma coletânea de quadrinhos pode interessar meu padrasto; um título recomendado por Bill Gates cairia bem para o cunhado; um guia de viagens de Orlando animaria os pais de filhos pequenos.
São estratégias de luta. Estou em permanente campanha “Dê livros de presente”, embora o mundo já tenha declarado o fim dessa guerra. O reino derrotado foi repartido entre as potências vencedoras, e me perdoem a acidez se, no lado vencido, ironizo o mérito dos ganhadores. Os europeus destroçaram África, Ásia e Américas… e o telemóvel inteligente derrotou brochura, capa dura e livros de bolso. Ninguém se surpreendeu, nesta terra em que a batalha estava perdida antes de começar.
(Esta crônica está me soando como Walcyr Carrasco na revista Veja… Paciência: é fim de ano, vamos relaxar)
Nós leitores aguerridos, os últimos homens em pé, nos agarramos às nossas armas. Gritos de guerra: “É meia-noite e meia, passou um avião… e nele estava escrito o livro é campeão!” Ou, como a piadinha interminável: “Xu, xu, xu! Nós queremos xu! Xu é bom! Xu é legal!”. Repetimos, humildes, sedentos por solidariedade: “Livro é bom! Livro é legal!”.
No caixa, peço ao funcionário embalagens para presente, sacola bonita, e selo de troca.
Os familiares que suspirem, conformados: selo de troca, em livraria, só dá pra escolher outro livro.