Aos dezessete anos, fiz um corte radical. Antes disso, tinha cabelo comprido, na altura das costelas. Cultivava aquele cabelão: desembaraçar, pentear, escovar. Curtia à beça usando xampus e condicionadores com cheiro de maçã-verde ou jasmim, comprados na farmácia da esquina. Fazia trança, rabo de cavalo, um coque bagunçado no alto da cabeça. De vez em quando, minha mãe aparava as pontas. E só. Minhas madeixas perseveravam. E, por causa delas, eu me achava. Me achava tanto que, aos quatorze, quinze anos, resolvi reproduzir o corte de cabelo da Demi Moore em Sobre ontem à noite. Hoje em dia, analisando com alguma objetividade as fotos dessa época, não acho que tenha sido exatamente um sucesso. Na época, me parecia incrível, tanto que mantive o estilo durante uns dois anos. E então chego aos dezessete e ao corte radical.
Não sei bem o que deu em mim. Guardo apenas uma vaga lembrança: andava entediada. Será que foi isso? Uma tentativa de aplacar o tédio adolescente? À espera de um acontecimento, eu me sentia assim, como na música da Marina Lima.
Numa tarde de sábado, sem planos de cortar o cabelo, fui com minha mãe ao cabeleireiro frequentado por ela. Eu só ia acompanhá-la; faríamos algo juntas depois. O dono do salão, com quem ela cortava o cabelo, bateu o olho em mim e desaprovou, com todos os músculos do rosto, o meu visual — segundo ele, ultrapassado. Em seguida, me deu uma cantada capilar combinada com o que só pode ter sido uma dose certeira de hipnose: “Acabei de voltar de Londres, vamos fazer algo moderno, você tem um rosto anguloso, o maxilar marcado, vai valorizar.”
Quando saí do transe, estava numa cadeira giratória alta, de frente para o espelho, diante de uma franja curta e reta e de um cabelo na altura das orelhas. O trauma foi tamanho que só o que ficou na lembrança foi a imagem daquela pessoa que me olhava assustada. Uma menina que eu não conhecia, nunca tinha visto antes. Do que ela gostava? Que escola frequentava? Que faculdade planejava fazer? Quem eram suas amigas? E agora? Cadê o meu cabelo comprido?
“Parece a Louise Brooks”, disse minha mãe, achando o máximo. Já eu, que não tinha a mais vaga ideia de quem fosse a atriz ícone do cinema mudo, detestei — e me detestava mais a cada vez que avistava a figura daquela desconhecida. Do tédio ao desespero em uma tarde. Consumado o desastre, decidi que a franja cresceria rápido, que com mais três ou quatro dedos no comprimento o corte teria seu charme, e passei a gostar de sentir o vento na nuca.
Às vezes penso que, se não tivesse cortado o cabelo daquele jeito, naquele sábado à tarde, toda a minha vida teria sido diferente. Pouco tempo depois, apesar da infelicidade capilar, me apaixonei por um menino e, como se sabe, viver um amor de verdade muda a vida de qualquer pessoa. Se eu não tivesse me apaixonado daquele jeito, não teria feito uma série de coisas que fiz a partir desse evento, não teria feito essa série de coisas de determinada forma, e, se eu não tivesse feito essa série de coisas de determinada forma, não teria me tornado a pessoa que sou hoje, com quem, em linhas gerais, ando bem satisfeita. Inclusive com o cabelo. Mas não só isso. Tendo a achar que aquele corte — que talvez tenha ido além das madeixas —, naquela remota tarde em Ipanema, não foi terrível de todo, porque ali, pela primeira vez na vida, tive a coragem de ser diferente.