Vidraça #164

Notas sobre literatura e o mercado editorial
Daniel Galera. Foto: Matheus Dias/Rascunho
01/12/2013

Prêmios para todos
Barba ensopada de sangue (Companhia das Letras), de Daniel Galera (foto), finalista dos principais prêmios literários deste ano, foi eleito o Melhor Livro do Ano de 2012 pelo São Paulo de Literatura. A premiação, que nesta edição contemplou romances, escolheu ainda Desnorteio (Patuá), de Paula Fábrio, e Antiterapias (Scriptum), de Jacques Fux, como vencedores nas categorias autor estreante com mais de 40 anos e estreante com menos de 40 anos. Os dois autores receberão, cada um, R$ 100 mil, enquanto Galera leva o grande prêmio, no valor de R$ 200 mil. Ao todo, 168 livros competiram.

Por sua vez, o Jabuti, que voltou atrás na premiação de Páginas sem glória (Companhia das Letras), de Sérgio Sant’Anna, na categoria Contos e Crônicas, elegeu as crônicas de Diálogos impossíveis (Objetiva), de Luis Fernando Verissimo, como Livro de Ficção do ano, ao lado de As duas guerras de Vlado Herzog (Civilização Brasileira), livro-reportagem de Audálio Dantas, grande vencedor na categoria Não-ficção. Cada autor ganhou R$ 35 mil.

Lá fora, o romance Os transparentes, recém-publicado no Brasil pela Companhia das Letras, do escritor angolano Ondjaki, foi eleito vencedor do Prêmio José Saramago 2013. Nascido em Luanda, em 1977, Ondjaki tem obras traduzidas para várias línguas, como francês, espanhol, italiano, alemão, inglês, sérvio, sueco e polonês. No Brasil, tem publicados os infantis Ynari – A menina das cinco tranças (2010) e O vôo do golfinho (2012) pela Companhia das Letrinhas; os romances AvóDezanove e o segredo do soviético (Companhia das Letras; Prêmio FNLIJ 2009 e Prêmio Jabuti de 2010 categoria Juvenil) e Quantas madrugadas tem a noite (Leya, 2010); e os contos de Os da minha rua (Língua Geral, 2007) e E se amanhã o medo (Língua Geral, 2010). O Prêmio José Saramago, no valor de 25 mil euros, é atribuído de dois em dois anos, contemplando obras de ficção escritas em língua portuguesa por autores com até 35 anos à data da publicação. Em 2011, o prêmio foi concedido à brasileira Andréa del Fuego, por Os Malaquias.

A segunda edição do Prêmio Paraná de Literatura – este no âmbito de obras inéditas – também anunciou seus vencedores: Meu primeiro morto, de Jaci Palma (SP), Ensaio sobre o entendimento humano, de Caetano Galindo, e Fábulas para adulto perder o sono, de Adriane Garcia (MG), foram premiados nas categorias Romance, Conto e Poesia, respectivamente. Cada autor receberá R$ 40 mil e terá sua obra publicada pela Biblioteca Pública do Paraná, com tiragem de mil exemplares. O concurso da Secretaria da Cultura do Estado teve 841 obras inéditas concorrentes, de autores de todo o país.

Imortal e global
O romancista Antônio Torres (foto) foi eleito pela Academia Brasileira de Letras (ABL) o novo ocupante da Cadeira nº. 23, que já pertenceu a Jorge Amado, Machado de Assis e, recentemente, ao jornalista Luiz Paulo Horta, falecido este ano. Escritor baiano, nascido em 1940, Torres estreou na literatura em 1972 com o romance Um cão uivando para a lua (Record). Hoje, entre os seus 17 títulos publicados, destaca-se a trilogia formada por Essa terra (1976), O cachorro e o lobo (1997) e Pelo fundo da agulha (2006, Prêmio Jabuti) — Essa terra, aliás, que chega à sua 25ª edição pela Record, somando (junto à edição da BestBolso) mais de 20 mil exemplares vendidos, e ganhará novas edições na Bulgária, Albânia e Vietnã. Seus livros também têm traduções em países como Argentina, Estados Unidos, França, Alemanha, Itália e Israel.

Millôr na Flip
Dramaturgo, editor, tradutor, artista gráfico, Millôr Fernandes (1923-2012) será o autor homenageado da 12ª edição da Flip — apesar da movimentação em torno do nome de Lima Barreto. Trata-se da primeira vez em que um contemporâneo é homenageado pela Festa Literária Internacional de Paraty, que tem como curador o jornalista Paulo Werneck. Da obra literária e intelectual de Millôr constam peças de teatro, livros de prosa e poesia, desenhos, pinturas, traduções, roteiros de cinema e textos na imprensa. Mas é pelo tom humorístico que o artista é mais conhecido, em charges e frases carregadas de crítica social e defesa da liberdade de pensamento. A Flip 2014 acontecerá entre 30 de julho e 3 de agosto.

 

Novas (e finitas) estórias
A revista de contos Arte e Letra: Estórias chega à edição W (ou, tradicionalmente, #24), com textos de S. T. Coleridge, Carlos Henrique Schroeder, Lucimar Mutarelli, Ana Teresa Jardim e Alice Munro, entre outros, mantendo a linha editorial que abrange autores estreantes e consagrados, nacionais e estrangeiros. Sondado sobre o futuro da revista, que a princípio terminaria daqui a três edições, com o fim do alfabeto, seu editor, Thiago Tizzot, confirma que a “Z” será a última.

Mapa de literatura
Com foco no “leitor comum”, acaba de ser lançada a revista de literatura Mapa. A publicação bimestral, editada em Curitiba (PR), traz matérias e resenhas inéditas, além de traduções de artigos publicados na New York Review of Books e no New York Times, buscando fugir da linguagem erudita e servir de estímulo à leitura. Entre seus colaboradores estão Luiz Felipe Leprevost, Cezar Tripadalli, Christian Schwartz e Irinêo Baptista Netto. Além dos pontos de distribuição na capital paranaense, Mapa, que tem distribuição gratuita, pode ser solicitada através do e-mail [email protected].

Updike de volta às prateleiras
A obra do escritor e crítico literário norte-americano John Updike (1932-2009) passa da Companhia das Letras para o selo Biblioteca Azul, da Globo Livros. Os primeiros livros saem em 2014, começando pela tetralogia Rabbit. Também estão previstos, além de obras esgotadas no Brasil, dois volumes de contos do autor, inéditos no país.

 

Prêmios são o de menos
Faleceu no último dia 17, aos 94 anos, a escritora britânica Doris Lessing (foto), vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2007. Autora de mais de cinqüenta títulos, que vão desde dramas psicológicos a obras de ficção científica, entre romances, contos, textos memorialísticos e ensaios, Doris nasceu na antiga Pérsia (hoje Irã), cresceu na Rodésia (atual Zimbábue) e viveu desde os 30 anos em Londres. Além da extensa e premiada obra, os próprios temas de sua literatura — como a crítica ao poder, ao colonialismo e à África pós-colonial; preconceito racional, direitos das mulheres e investigação da psique humana — e polêmicos posicionamentos chamaram atenção para a autora de Amar de novo (Companhia das Letras). A ocasião do Nobel é apenas um caso: no ano em que Philip Roth figurava como favorito e já não havia mais apostas na senhora de 88 anos de idade, a academia sueca surpreendeu a escritora com a notícia do prêmio — e com dezenas de fotógrafos e jornalistas na sua calçada. A estes, Doris Lessing, supostamente sentada nos degraus de sua porta de entrada, segurando um copo de água, perguntou como deveria reagir ao anúncio: “A coisa toda é tão desprovida de graça e estúpida e sem modos”.

Yasmin Taketani

É jornalista.

Rascunho