Nada a ver, tudo haver

[desaforismos & atrevimáximas]
Ilustração: Dê Almeida
28/05/2017

Se acham que uma obra espetacular — livro, pintura, música, filme, etc. — está protegida de todos os males da mediocridade cotidiana, cuidado. O maior inimigo do talento é a chatice. A chatice do talentoso, não da obra. Até a obra mais espetacular sucumbe à chatice cotidiana de um talentoso antipático. Até a obra mais espetacular apodrece rapidinho, quando contaminada pela chatice cancerígena de um talentoso antipático e resmungão.
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Muita Fanta uva levando prêmio de melhor vinho.
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Atualmente os amigos certos são parecidos com os números irracionais: estranhamente errados, da perspectiva da razão.
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Nem toda cinza é cinza, nem toda rosa é rosa, nem todo negro é negro, nem todo branco é branco.
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O orgasmo é a única forma de justiça, a verdadeira expressão da justiça.
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Criatura divina, expressão viva da poesia, quantas religiões você já criou hoje?
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Nasci sem olhos, vivi sem boca, morri sem mãos.
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Troco meus cinco sentidos por um milésimo de tua imortalidade sem sentido.
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Se orbitar é cair eternamente, então orbitamos a eternidade.
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Difícil manter um relacionamento quando o outro come toda a jujuba.
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Chifres e um cheirinho de enxofre. Na cobertura VIP do edifício Pandemônio, enquanto o Excomungado confessa a Satanás, em delação premiada, que injetou dinheiro ilícito na chapa Capeta-Canhoto, um grupo de tinhosos faz abaixo-assinado pro Maligno lançar sua candidatura, do contrário em 2018 o Coisa-Ruim é que sentará o rabo no trono de ferro. Mais abaixo, muito mais abaixo, no Infernus do Feicebuque, os anjinhos de procissão vociferam que o voto não é uma ilusão e Deus não está morto.
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Maldade ou maudade raramente é apenas uma questão ortográfica.
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Teu sorriso amoroso atraiu do infinito todos os pássaros, todos os insetos.
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Não escuto, não entendo o que eles falam, perdi meus óculos.
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No sexo e na política, fique sempre atento ao vão entre o trem e a plataforma.
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A filantropia é o estado sólido da solidão, a misantropia é o estado líquido da liquidação. O estado gasoso da gozação não existe. Não insista!
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A democracia e o capitalismo são um par de sapatos calçados no mesmo pé.
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Não me cobre a tabuada do nove, meu engenheiro interior é um trem fantasma fora dos trilhos.
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Não suporto as pessoas, exceto as mais felinas. Porque “o tempo passado com gatos nunca é um tempo perdido” (Freud).
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Não discuto política. Porque sempre perco a discussão. Principalmente quando ganho.
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Na juventude, não me alimentei apenas de ficcionistas-de-livro. Conversando com Marco Aqueiva, ontem, no Patuscada, percebi a grande influência que dois geniais ficcionistas-de-disco exerceram — exercem — sobre minha imaginação literária. As narrativas de Clara Crocodilo e Fausto Fawcett e os robôs efêmeros são obras-primas também de nossa literatura.
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Uma religião sem Deus nem liturgia. Que religião poderia ser mais pura, mais impura?
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Enquanto Ulisses tece e desfia a eterna tapeçaria, Circe e Penélope jogam Tomb Raider entre um gozo e outro.
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Encontrei nosso futuro amoroso no departamento de achados e perdidos da Casa da Moeda.
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Era uma força da natureza, uma quimera, uma cópula, um orgasmo das eras.
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Analise a palma das mãos, a história de sua linhagem está registrada nas entrelinhas. Consegue ler esse livro vivo?
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A luz branca, soma de todas as cores, um dia também será a subtração de todos os sabores.
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Só acredito num Deus que faça fotossíntese e ejacule clorofila
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Não bata nos filhos, a vida fará isso muito melhor que você.
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Pra mim chega. Desisto… A universidade é mesmo o túmulo da inteligência.

Nelson de Oliveira

É ficcionista e crítico literário. É autor de Poeira: demônios e maldições e Ódio sustenido, entre outros.

Rascunho