Killing the Oliveyras

Uma série de mortes de pessoas com o mesmo sobrenome, mas de perfis distintos, revelam uma lista de livros instigantes de literatura brasileira
Ilustração: Thiago Lucas
01/11/2021

A advogada Valentina Soares Oliveyra, oitenta e nove anos, parda, hétero, leonina, filiada ao MDB, foi enforcada na garagem de sua casa de campo em Teresópolis. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar da novela Mar paraguayo, de Wilson Bueno. E um bilhete que dizia: “Em terra de cego quem tem um olho é rei”.

A atriz Sonia Freitas Oliveyra, sessenta anos, branca, bissexual, libriana, filiada ao PT, foi golpeada na cabeça em seu trailer, durante as filmagens de um drama histórico. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar da miscelânea Jornal Dobrabil, de Glauco Mattoso. E um bilhete que dizia: “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”.

O ex-deputado federal Davi Gomes Oliveyra, setenta e quatro anos, pardo, hétero, ariano, filiado ao PSDB, foi asfixiado com um saco plástico no quarto de um motel em Brasília. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Até que a brisa da manhã necrose teu sistema, de Ricardo Celestino. E um bilhete que dizia: “Quem pode pode, quem não pode se sacode”.

A cantora Alice Rodrigues Oliveyra, vinte e um anos, negra, hétero, ariana, filiada ao PP, foi apunhalada no coração, numa praia deserta do litoral catarinense. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Santa Clara Poltergeist, de Fausto Fawcett. E um bilhete que dizia: “O que não tem remédio remediado está”.

O pediatra Lucas Santana Oliveyra, quarenta e sete anos, amarelo, assexual, geminiano, filiado ao PDT, inalou o monóxido de carbono do aquecedor a gás de seu quarto, num hotel da região portuária de Belém. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Outra inquisição, de Uilcon Pereira. E um bilhete que dizia: “Gato escaldado tem medo de água fria”.

A cardiologista Manuela Martins Oliveyra, cinquenta e nove anos, negra, queer, libriana, filiada ao PTB, foi guilhotinada em praça pública, de madrugada, sem testemunhas, longe das câmeras de segurança. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Adaptação do funcionário Ruam, de Mauro Chaves. E um bilhete que dizia: “Melhor prevenir do que remediar”.

A faxineira Amanda Machado Oliveyra, quarenta anos, indígena, assexual, sagitariana, filiada ao DEM, foi esmagada por um armário de aço cheio de peças eletrônicas enquanto ajudava numa mudança. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar da novela O mez da grippe, de Valêncio Xavier. E um bilhete que dizia: “Depois da tempestade vem a bonança”.

A gerente de vendas Laura Barbosa Oliveyra, trinta e sete anos, amarela, hétero, capricorniana, filiada ao PL, foi empurrada da cobertura do centro comercial onde trabalhava, em Porto Alegre. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance PanAmérica, de José Agrippino de Paula. E um bilhete que dizia: “Quem não tem cão caça com gato”.

O engenheiro de produção Miguel Lopes Oliveyra, cinquenta e três anos, indígena, queer, capricorniano, filiado ao PSB, levou uma machadada entre as omoplatas depois da aula de natação, no vestiário do clube. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Zero, de Ignácio de Loyola Brandão. E um bilhete que dizia: “Deus escreve certo por linhas tortas”.

A redatora publicitária Isadora Alves Oliveyra, vinte e dois anos, branca, lésbica, leonina, filiada ao Republicanos, foi afogada na banheira de sua casa, no subúrbio de Belo Horizonte. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Catatau, de Paulo Leminski. E um bilhete que dizia: “Para bom entendedor, meia palavra basta”.

A jornalista Lorena Lima Oliveyra, trinta e um anos, indígena, hétero, canceriana, filiada ao Cidadania, foi baleada no coração enquanto caminhava no parque Ibirapuera. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar da coletânea de contos Festa na usina nuclear, de Rafael Sperling. E um bilhete que dizia: “A pressa é inimiga da perfeição”.

O bailarino Francisco Ferreira Oliveyra, sessenta e três anos, negro, gay, geminiano, filiado ao PSC, foi estrangulado em seu apartamento, na região central de Manaus. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar da coletânea de ficções-ensaios Galáxias, de Haroldo de Campos. E um bilhete que dizia: “Águas passadas não movem moinho”.

O cenógrafo César Mendes Oliveyra, cinquenta anos, branco, hétero, taurino, filiado ao PCdoB, recebeu uma descarga elétrica quando tocou na maçaneta da porta de casa, num condomínio nobre de Salvador. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Papéis de Maria Dias: memórias pósteras, de Luci Collin. E um bilhete que dizia: “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”.

A ex-governadora Iracema Teixeira Oliveyra, sessenta e um anos, negra, queer, virginiana, filiada ao Podemos, foi empurrada de um penhasco, no Parque Nacional da Chapada Diamantina. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar da coletânea de contos Necrológio, de Victor Giudice. E um bilhete que dizia: “Cão que ladra não morde”.

O cineasta Gabriel Pereira Oliveyra, quarenta e cinco anos, branco, gay, sagitariano, filiado ao PSD, foi envenenado durante um jantar na Cinemateca Brasileira oferecido às celebridades do cinema nacional. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance O peso do pássaro morto, de Aline Bei. E um bilhete que dizia: “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”.

O empreiteiro Carlos Marques Oliveyra, trinta anos, pardo, gay, pisciano, filiado ao PV, foi garroteado enquanto dirigia para o trabalho no dia de seu aniversário. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Água viva, de Clarice Lispector. E um bilhete que dizia: “Quem com ferro fere com ferro será ferido”.

O professor de biologia Arthur Carvalho Oliveyra, quarenta e quatro anos, branco, bissexual, virginiano, filiado ao Patriota, foi decapitado com uma katana enquanto fazia compras num supermercado no Guarujá. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance Sexo, de André Sant’Anna. E um bilhete que dizia: “À noite todos os gatos são pardos”.

A bibliotecária Sofia Almeida Oliveyra, vinte e sete anos, branca, lésbica, canceriana, filiada ao Solidariedade, teve o tórax explodido por uma granada enquanto fazia uma trilha no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance O natimorto, de Lourenço Mutarelli. E um bilhete que dizia: “Quem semeia vento colhe tempestade”.

O ex-vereador Ubirajara Cardoso Oliveyra, cinquenta e nove anos, negro, assexual, escorpiano, filiado ao PSOL, foi dilacerado por três cães ferozes enquanto se exercitava no calçadão de Copacabana. Ao lado dos restos do corpo foi encontrado um exemplar da coletânea O rosto da memória, de ficções de Decio Pignatari. E um bilhete que dizia: “De médico e de louco todo mundo tem um pouco”.

O zelador Heitor Ribeiro Oliveyra, vinte e cinco anos, negro, bissexual, aquariano, filiado ao Avante, foi atropelado por uma van no estacionamento de um shopping, em Fortaleza. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar da novela Mnemomáquina, de Ronaldo Bressane. E um bilhete que dizia: “Nem tudo que reluz é ouro”.

A corretora de imóveis Heloisa Nunes Oliveyra, vinte e seis anos, amarela, lésbica, escorpiana, filiada ao PMN, foi empurrada no poço do elevador do hospital onde a mãe estava internada, em Cuiabá. Ao lado do corpo foi encontrado um exemplar do romance O mamaluco voador, de Luiz Roberto Guedes. E um bilhete que dizia: “De grão em grão, a galinha enche o papo”.

Nelson de Oliveira

É ficcionista e crítico literário. É autor de Poeira: demônios e maldições e Ódio sustenido, entre outros.

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