Pesquisa sobre a evolução literária no Brasil (9)

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta: Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?
Rodrigo de Faria e Silva, autor de “Da loucura dos homens & outros escritos”
01/01/2014

Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:

Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?

Rodrigo de Faria e Silva
Acredito que a literatura brasileira não vem criando nomes novos com a mesma força que o fez algumas décadas atrás; mas o mesmo me parece acontecer na música, no cinema e, talvez, não sei dizer, nas artes de modo geral. Ou eu estou envelhecendo e as coisas do mundo não me seduzem como outrora, ou o mundo sofre de uma crise de criatividade enorme!

Mas existem alguns fatores que podem criar uma cortina de fumaça e obscurecer bons escritores e poetas, que hoje parecem existir somente em doses homeopáticas, esporádicas e irregulares.

A facilidade em publicar e o excesso de livros disponíveis hoje no mercado podem abafar os bons escritores e pulverizá-los entre um batalhão de autores de ocasião, algo parecido com o que ocorre com a informação de um modo geral, pois assistimos à perda de sua relevância em função de ela estar disponível em excesso e por excessivos meios, canais e fontes.

Outro fator seria a busca questionável, facilmente percebida em certas editoras e autores e intensificada nos últimos anos, de aproximar o livro do leitor orientando a temática, contaminando a forma e criando assim um tipo de texto que reflete a voz comum de nossa sociedade atual, aparentemente mais afastada da essência do ser humano e, por conseqüência, da boa literatura.

Mas isso pode ser pura nostalgia minha. Como se a voz comum espelhada no mundo de ontem fosse melhor, com pessoas mais bem preparadas, bem letradas e bem-intencionadas do que as do mundo de hoje.

Curiosamente, vejo uma abertura maior e uma construção mais solta e criativa na literatura infantil feita atualmente, que já se vale da imagem para essa aproximação com o leitor, levanta questões, remodela estruturas e busca formar uma criança mais livre de preconceitos e de modelos pré-estabelecidos, com o objetivo de minimizar o impacto inevitável do crescimento — literatura que está repleta de boa poesia em seu sentido estrito e de textos bem estruturados.

Que me perdoem os escritores de verve que existem e persistem ou que se escondem ou são escondidos pelos escombros de nossos meios de comunicação, incluídas neste pacote as editoras, mas me parece que jogamos a toalha para os adultos de hoje.

Quanto aos jovens, transformaram-se em laboratórios das novas mídias, as quais passarão por um processo de depuração no que tange ao seu uso para a leitura e a publicação. Quando tiverem sido limpados os canais e encontrados os meios tecnológicos (acredito eu) de se triar as publicações existentes, e quando se somar a isso o fato de termos criado uma geração mais exigente, em conseqüência da formação que tiveram com a literatura infantil produzida hoje, e conhecedora das novas ferramentas, das quais será nativa, teremos, enfim, a integração perfeita entre tecnologia e inovação a serviço de uma boa proposta literária, dada a demanda do leitor/usuário.

Mas isso é futurismo, e parte de uma premissa, talvez falaciosa, porque estou na condição de editor de livros infantis, de que as crianças de hoje se tornaram a aposta para o que existe de bom na produção literária e na formação de leitores.

O fato é que a literatura está muito além dos livros, e se o mundo fica mais pobre, ou a percepção do leitor fica menos poética, tudo se reflete no momento de se produzir e de se ler o que foi produzido.

Assim, toda opinião nesse segmento é condicionada a tantos fatores para além do próprio texto que acabo concluindo que o mais importante mesmo é que tenhamos literatura sendo produzida e literatura sendo consumida, de preferência com a intermediação de um editor que se valha de critérios muito objetivos para analisar a subjetividade dos autores que edita; um editor que tenha a intenção poética de enriquecer o espírito de seus leitores, e não somente a planilha do negócio.
Rodrigo de Faria e Silva é escritor e publisher da editora do Sesi-SP.

Maria José Silveira
Por um lado, ótimo. Por outro, péssimo.

O ótimo: a literatura de fato parece viver uma fase de efervescência. Nunca se viu tanta gente escrevendo, tantos prêmios e viagens para escritores, tantas traduções, tantas palestras, tanta badalação em torno de alguns autores, mesmo com o sumiço de boa parte de nossos cadernos literários. Uma boa conseqüência disso é que tem aumentado o número de escritores que vivem de e em torno do ato de escrever. Essa profissionalização vem se tornando uma realidade entre nós — ainda que muito modesta; mas contanto que dê para se virar, está bem.

Apesar de tudo isso, no entanto — e como não dá para acompanhar essa acachapante produção, vou falar da prosa de ficção, e não da poesia (que leio menos) —, agora vem o péssimo: nunca se viu tantos livros superficiais, tanta bobagem sendo publicada, tanta prosa de pouca qualidade sendo incensada. É como se existisse atualmente a crença de que para ser escritor basta saber escrever, quando, a rigor, essa é apenas a condição sine qua non do ofício. O que faz um escritor ser realmente bom é a idéia que ele expressa através de seu trabalho com a linguagem. Sob esse ponto de vista, creio que estamos muito mal.

Além disso, esse enaltecimento do escritor (e quanto mais jovem, melhor) tem acontecido em detrimento dos leitores. Há muita formação de escritores, e pouca formação de leitores. Os autores brasileiros continuam vendendo muito pouco: é raro um de nossos ficcionistas passar a barreira dos eternos três mil exemplares (ou menos: dois mil) da primeira edição. Então, do meu ponto de vista, enquanto a produção literária brasileira sofrer com essa carência de bons leitores, ela de fato vai mal, pois continua capenga.
Maria José Silveira é autora de Paulicéia de mil dentes (Prumo, 2012).

Renato Rezende
Enquanto artista que procura intervir na cultura através de diferentes meios e por diversas abordagens, a questão sobre o bom ou o mau momento que a literatura brasileira supostamente vive me parece irrelevante. A não ser, claro, para aqueles cuja opinião eu respeito (como se respeita a opinião de uma criança, com um certo sentimento de ternura diante de tanta ingenuidade, e um certo ar de zombaria), que ainda acreditam no Papai Noel da Literatura. Para estes, a literatura salva, e portanto é fundamental praticá-la, estudá-la e ensiná-la nas torres de marfim universitárias, prestigiá-la com prêmios (no Brasil, todos eles meio picaretas), disseminá-la em feiras e bienais (sob, é claro, a mão benevolente do mercado), etc.

Embora eu seja um artista fundamentalmente da palavra, sempre duvidei que a poesia fosse literatura; e agora que tenho me dedicado à prosa, acho que faço tudo, menos literatura. Por favor, tudo menos literatura! O que eu faço é de outra ordem: apenas um semblante de literatura; um deslocamento de posições de enunciação, e não de enunciados. Se na modernidade houve uma tentativa de compreender cada gênero artístico por sua suposta especificidade, no assim chamado pós-modernismo as fronteiras se afrouxaram, mesclando meios, suportes e campos disciplinares — apesar da enorme resistência da crítica literária brasileira para perceber isso. No momento contemporâneo, no entanto, para além da indiscernibilidade entre os gêneros e seus meios e suportes, há uma dissolução da própria especificidade do circuito que os encerraria. No campo da literatura, esse circuito inclui instituições acadêmicas, mídia, premiações, editoras, livrarias, etc. Talvez o campo sobreviva por muito tempo ainda, mas já não há nenhum sopro de vida em suas artérias. O que um dia houve de renovador e estimulante na Literatura, hoje já não está mais lá, e Literatura é só um nome vazio. Ela pode ser excelente, ou ruim, mas será sempre ineficaz, sem risco. Então, arrisco um novo nome para a arte da ameaça, transformação e potência: política.
Renato Rezende é escritor e editor da Circuito.

Luiz Bras

É escritor. Autor de Sozinho no deserto extremo e Paraíso líquido, entre outros.

Rascunho