Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:
Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?
Ramiro Giroldo
Cada época tem uma literatura que com ela dialoga. Não acho pertinente buscar valores de outrora na literatura de hoje, ou procurar equivalentes aos clássicos entre as obras hoje publicadas. A produção contemporânea brasileira não é melhor nem pior que a de outros tempos, ela é o que é e deve ser compreendida em seus próprios termos. Dessa forma, acredito que hoje tenhamos uma literatura que consegue dialogar com nosso tempo e, portanto, é a melhor para o momento em que vivemos.
Acerca da quantidade de livros publicados em prosa ou verso, não tenho em mãos um levantamento estatístico, embora suspeite que hoje a quantidade de títulos seja maior. Pode-se argumentar que a maior parte das publicações não escapa ao pastiche e ao repercutir acrítico de tendências mercadológicas, mas creio que toda época possui seus best-sellers descartáveis (e, claro, os best-sellers que não o são). E, infelizmente, toda época possui bons autores que não chegam a um amplo conhecimento entre o público leitor. A diferença é que hoje o viés crítico é, sim, mais aberto para além do cânone e apto a corrigir ou sinalizar injustiças, a chamar atenção para o que ainda não foi suficientemente lido.
Ramiro Giroldo é professor de literatura da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
Sidney Rocha
A literatura brasileira vive um momento ruim muito bom. Não pessimamente bom, mas também não precisa melhorar tanto para piorar. Há determinada literatura que não encontrou guarida nas editoras — isso foi ruim —, mas não se intimidou: isso foi bom. Foi para os blogs e as autoedições (onde quase tudo é ruim), e encena hoje um as uvas estão verdes, da fábula, em relação ao mainstream. Então, se tornam outro mainstream, o que é bom, mas de péssima qualidade, porque à falta da figura importante do editor (não o publisher) tudo vira pasta literária ou pastel de feira, o que é péssimo.
Há ainda certa prosa, encastelada, que podia ser melhor, mas é ruim; e busca representar uma literatura nacional, no que sempre fracassa, com um pé mal posto na academia, e os outros 2.999 pés no mercado — às vezes o contrário, mas em todo caso com nenhum tentáculo nas escolas.
(Autores demais) + (leitores de menos) x (consumo sem análise de festas literárias, redes sociais, marketing demais) – (suplementos literários ruins, quando existiam) = falsa sensação de que o gigante se move para frente.
O bom é que este momento ruim vem fazendo nascer outras vozes na literatura, na tentativa de profissionalização dos escritores, para avançarem mais firmes no mercado editorial, nas experiências com a narrativa mais longa — onde alguns nomes me fazem apostar mais — e numa poesia com resultados poucos, mas quando aparecem soam mais ousados, quanto à linguagem, do que na prosa atual, que tem se intimidado e acatado as fórmulas e as fôrmas.
Sorte é que há vozes menos apaixonadas por si mesmas aparecendo por aí, e nisso reside mais meu otimismo.
Sidney Rocha é autor de O destino das metáforas (Iluminuras, 2011).
Rodolfo Londero
Acredito que uma boa forma de avaliar a evolução da literatura brasileira é justamente comparar o quanto andamos ou regredimos tomando como parâmetro avaliações anteriores. Nesse caso, posso dizer que a literatura brasileira contemporânea pesa mais do que vale, considerando o balanço realizado por Silviano Santiago em 1978. Naquele momento, Santiago identificou três problemas do nosso mercado editorial: (1) a dificuldade de profissionalização do escritor; (2) o livro como artigo de luxo; e (3) a vertente elitista do romance brasileiro. O primeiro problema encontra-se satisfatoriamente resolvido, ainda que não plenamente. Por outro lado, o segundo problema encontra-se longe de solução, por causas que infelizmente pouco diferem das apontadas por Santiago há trinta e cinco anos: o livro continua sendo um objeto caro e escasso (alguém conhece boas livrarias em nossas cidades do interior?). Entretanto, devemos comemorar o crescimento do público leitor e o incentivo à rede bibliotecária (97% dos municípios brasileiros têm ao menos uma biblioteca pública), sem contar o fim da censura — registro que parece deslocado, difícil de lembrar, porém ainda não se avaliou devidamente o legado do vazio cultural para a evolução da literatura brasileira. A respeito do terceiro problema, Santiago buscava por uma “escrita ficcional populista”, diferente dos “textos mais afidalgados”, dos “livros apegados à tradição” ou do estilo “amaneirado e narcisista”. Hoje temos um escritor como Antônio Xerxenesky clamando pelo luxo de uma literatura do tipo menor, procurando por nosso Stephen King ou por nossa Stephenie Meyer e os encontrando em autores como André Vianco e Eduardo Spohr. Sendo assim, resolvemos parcialmente o terceiro problema, mas não do modo esperado por Santiago. O incremento da literatura de nicho, ocupando um espaço que por muito tempo deixamos nas mãos dos autores estrangeiros, é certamente o melhor indicador da evolução da literatura brasileira. Este peso, contudo, ainda não é avaliado de forma merecida. Pelo menos três fatores contribuem para tanto: (1) ao contrário da hipótese Bolaño-Xerxenesky, muitos escritores buscam ser o novo George R. R. Martin, mas não conseguem porque escrevem mal — aqui não se trata da lei de Sturgeon (“90% de qualquer coisa é lixo”), mas simplesmente da carência do mínimo de técnica literária; (2) conseqüentemente, a maioria das editoras que investe nesse tipo de literatura ainda prefere o autor estrangeiro, em vez do brasileiro; e (3) temos uma crítica despreparada para julgar a literatura de nicho e, assim, contribuir para seu desenvolvimento.
Rodolfo Londero é professor adjunto do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina.
Marcelo Bezerra
Ao falar de literatura brasileira, não tenho tanta certeza assim de estarmos vivendo um bom momento, pois os sinais estão um pouco confusos. Estive em Frankfurt recentemente, circulando pela maior feira de livros do mundo, e não vi nada que me fizesse acreditar que a literatura brasileira finalmente irá emplacar na Europa. As editoras nacionais negociaram uma grande quantidade de títulos, mas sem conseguir subverter a malfadada tradição comercial. Como sempre, nossas editoras compraram mais, muito mais do que venderam. País homenageado na feira deste ano, o Brasil investiu pesado em sua apresentação internacional. Apesar de a imagem estereotipada (praia, carnaval, favela e futebol) ter sido reforçada pela enésima vez, de modo geral a delegação brasileira fez bonito, aproveitando bem a visibilidade na Alemanha e no mercado global de livros. Mas é certo que em breve os holofotes iluminarão outra região do mundo: a Finlândia, que será o país homenageado em 2014. Então nossas praias, nosso carnaval, nossas favelas e nosso futebol literários terão de abandonar o palco.
Marcelo Bezerra é agente literário.